Um movimento tem agitado o cenário gastronômico brasileiro: cozinheiros, chefs e pesquisadores buscam dar um lugar de destaque à mesa para os cogumelos, com ênfase nas espécies nativas. Se até pouco tempo a predominância da presença dos cogumelos era de produtos em conserva e, em especial, como ingrediente do estrogonofe, atualmente, uma variedade deles ganha espaço e chega a ser protagonista de uma refeição.
Popularmente conhecidos como “carne vegetal”, apresentam diferentes cores, texturas e intensidade de sabores, mas demoraram a conquistar o paladar dos brasileiros. Foi com a chegada dos imigrantes japoneses e a difusão da cozinha oriental que o panorama começou a se modificar. Atualmente, diferentes espécies podem ser encontradas no mercado.
Cada um com suas características se adapta melhor a determinadas receitas. Alguns são delicados e outros intensos. Uns são mais carnudos e outros mais fibrosos. Conhecê-los e distingui-los ajuda em muito na hora de escolher e incorporá-los aos pratos. Seja como complemento ou como elemento principal.
Entre as ações desenvolvidas para levar mais cogumelos à mesa estão expedições para identificar as espécies na natureza, colher e preparar, o que tem movimentado apreciadores desse fungo comestível. Ainda mais depois que foram encontrados Porcinis, o mais apreciado pelos italianos, em matas de diferentes municípios gaúchos e catarinenses.
Altemir Pessali é um desses caçadores/coletores de Porcinis. O ex-jogador de futebol e proprietário das Trattorias Primo Camilo (em Garibaldi) e Mamma Gema e do restaurante Pizza Entre Vinhos (no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves) conta que encontrou o primeiro Porcini sob um pinus. E a coleta se transformou em paixão. Além de tornar o cogumelo coletado no Sul estrela no cardápio da cantina em Garibaldi, foi se especializando na caçada e atualmente organiza grupos para essa aventura.
“Tudo depende da época do ano. Os cogumelos, no Rio Grande do Sul, costumam surgir no começo do outono, quando são mais numerosos. Mas também ocorrem, apesar de em menor quantidade, durante o inverno”, explica. Adaptaram-se muito bem à Serra gaúcha, com ajuda do clima e do solo. “Encontraram aqui o pinus, as temperaturas mais baixas e a umidade relativa mais alta que fazem com que aflorem.” Os Porcini costumam ser mais frequentes principalmente em São Francisco de Paula, Cambará e Caxias do Sul e Jaquirana, todos municípios gaúchos.
O sucesso tem sido tanto que o Parador Casa da Montanha, em Cambará do Sul, nos Campos de Cima da Serra, montou o Despertar dos Cogumelos Selvagens, para hóspedes e interessados inscritos em colher e depois degustar o produto da colheita. As datas não são fixas porque tudo depende do clima. Só depois das primeiras chuvas do outono é que costumam aflorar.
Cogumelos são fontes de proteína, fibras, vitaminas e minerais, além
de terem baixo valor calórico
É preciso ressaltar, no entanto, que não é aconselhável sair pelas matas colhendo cogumelos sem orientação, muitos deles são venenosos, enquanto outros servem apenas para fins medicinais. Para ajudar os leigos no assunto, Jeferson Muller Timm, biólogo especialista em fungos, que desde 2005 pesquisa as espécies comestíveis na Serra gaúcha, lançou o livro Primavera Fungi: Guia de Fungos do Sul do Brasil, com detalhes de imagens e informações sobre se são comestíveis ou medicinais, locais de ocorrência, época do ano em que podem ser encontrados e até receitas. O livro mostra que os cogumelos em solo gaúcho vão muito além dos Porcini, existem muitas espécies nativas comestíveis, pouco conhecidas.
“Os cogumelos exóticos encontrados sob a palha dos pinus são Porcini, Lactarius e Suillus. Enquanto os coletados nas matas nativas são Pleurotus, Champignon Silvestre, Macrolepiota, Macrocybe e Lepista”, explica o biólogo. Para quem deseja saber mais sobre o assunto, Jeferson Timm oferece diversos cursos e, durante a época da colheita, participa de expedições no Parador Hampel, em São Francisco de Paula.
O chef Marcos Livi, proprietário do Hampel, tem um sonho: que, no futuro, na Serra gaúcha, possa ter na beira da estrada quem venda pinhão e quem venda cogumelos silvestres comestíveis. “Se as pessoas souberem o que é, identificarem, aprenderem a colher e a cozinhar, será possível fechar a cadeia produtiva. Será o extrativista do pinhão vendendo cogumelo.”
E para quem pensa que os cogumelos oferecem poucas opções na hora de cozinhar, o chef Livi prova o contrário: está desenvolvendo diferentes menus em que os fungos comestíveis vão da entrada ao prato principal. Nhoque, mil-folhas, pastel, tudo de cogumelos. Mas não para por aí, tem também sobremesa. Isso mesmo, da cozinha do chef gaúcho podem sair cogumelos com chocolate, azeite de oliva, flor de sal, nata e raspa de limão ou o tradicional bolo nega maluca e cogumelos. Dá para imaginar?
Harmonização
Cogumelo cozido não é doce, salgado, azedo ou amargo. É umami, o quinto gosto, descoberto em 1908 pelo cientista japonês Kikunae Ikeda, da Universidade de Tóquio. A definição de umami é gosto agradável, saboroso.
Pratos ricos em umami, como os cogumelos, harmonizam melhor com vinhos de baixo teor alcoólico, com acidez pronunciada e bastante frutados. Mas é preciso levar em conta também a preparação: se estão em molhos densos ou in natura. Se são ingrediente principal ou complemento. Mas algumas dicas podem ajudar a dar início às escolhas.
O cogumelo Paris tem sabor bem terroso e é muito versátil, podendo harmonizar tanto com vinho branco quanto com tinto. Como entrada ou recheados vão bem com um Chardonnay. O Shimeji, como é mais adocicado, será bem acompanhado de um Pinot Noir. O Portobello faz boa parceria com o Syrah, mas se vierem como substitutos da carne aceitam um Malbec. Os cogumelos secos como Shitake e Funghi Secchi (Porcini) apresentam um sabor concentrado e pedem um Malbec. Mas sem esquecer que o que sempre prevalece é o paladar de quem harmoniza.
Nos países asiáticos o consumo per capita é de 4kg por ano.
No Brasil é de 200g ao ano
Os mais conhecidos
Champignon Paris
De sabor suave e adocicado. Apresenta textura crocante, quando cru, e macia, quando cozido. É o mais facilmente encontrado na mesa dos brasileiros, apesar de muitas vezes ser consumido em conserva, o que confere sabor e textura bem diversos do in natura.
Uso: em saladas, pizzas, omeletes, estrogonofe e em molhos de massa.
Enoki
Se desenvolve melhor em locais com temperaturas mais baixas, por isso é chamado de cogumelo de inverno. As hastes são finas e brancas e têm um pequeno chapéu na ponta. É macio, de sabor suave e levemente adocicado.
Uso: perfeito para saladas. Quando cozido, deve ser adicionado no final do preparo, para que não passe do ponto e amoleça. Vai bem com molho asiático ou simplesmente passado na manteiga. Pode ser servido em molhos de massas.
Eryngui
É considerado um dos cogumelos mais carnudos. De cor acinzentada clara, tem consistência macia e suave. Muito versátil e presente na cozinha vegana
Uso: pode ser servido em rodelas à dorê, grelhado, refogado, assado, em risoto, salteado na manteiga e saquê, com legumes ou refogado com fatias de carne.
Hiratake
De aba larga e achatada, com formato semicircular, que lembra o de uma ostra. Pode ser encontrado nas cores salmão, branco e cinza. É mais rústico. A textura é crocante e fibrosa, e o sabor, levemente adocicado.
Uso: pode ser salteado, grelhado, refogado com cebola e vinagre balsâmico, em tempurá, à milanesa, em risotos ou na versão agridoce.
Porcini
Tem base mais grossa e chapéu largo. É tenro e carnudo, com sabor pronunciado, que lembra nozes, avelã ou castanha. É um dos preferidos pelos italianos. Muito comercializado desidratado.
Uso: pode ser servido inteiro, grelhado, recheado, em molhos, risotos, massas ou em pó.
Portobello
É grande, tem em média de 7 cm a 10 cm. A polpa é bem rígida. Bem carnudo. De intensidade média de sabor.
Uso: refogado na manteiga, ao molho de vinho, recheado e gratinado com queijo gorgonzola, em massas e risotos. Pode substituir a carne em hambúrguer vegetariano ou vegano.
Shiitake
Originário de florestas asiáticas, tem chapéu largo, com topo marrom-escuro. In natura, apresenta textura rígida, mas ganha suculência quando cozido. De gosto intenso e amadeirado, pode ter o sabor acentuado conforme o tipo de madeira em que é cultivado. Desidratado ganha ainda mais aroma e sabor.
Uso: muito utilizado em pratos da cozinha oriental ou como acompanhamento, em molhos, risotos, sopas e cozidos com carne. Fica muito saboroso quando refogado na manteiga com shoyu.
Shimeji
Se apresenta em grupos que lembram cachos. Os chapéus são arredondados e pequenos, e as hastes, finas e longas. É mais adocicado e de sabor delicado. Os brancos são mais rústicos e fibrosos, e os negros, mais delicados. Mesmo depois de cozidos, mantêm uma textura mais firme.
Uso: pode ser cozido, marinado, empanado ou refogado. Costuma ser apresentado como entrada ou ingrediente de pratos principais. Vai bem com peixes ou carne, e também em risotos.
Caçada aos cogumelos silvestres
Jeferson Timm
@primaverafungi