
Uma das joias da gastronomia,
as trufas são consideradas o
diamante dos pratos sofisticados.
Raras, degustadas por poucos e caras (o quilo passa facilmente dos 15 mil reais, podendo chegar a 40 mil reais), até bem pouco tempo só se faziam presentes à mesa dos brasileiros quando importadas e a preços bem altos. Mas esse cenário está começando a mudar.
De aparência rústica, que lembra pequenas batatas feias, lisas ou enrugadas, as trufas são uma espécie de cogumelos subterrâneos. Crescem embaixo da terra, de 20 a 40cm de profundidade, agarradas a raízes de árvores, como nogueiras, castanheiras e carvalhos, o que torna difícil encontrá-las.
Apesar dos altos preços, sempre houve quem se dispusesse a pagar pela experiência de degustá-las. E, assim, elas fizeram fama na Europa e, depois, no resto do mundo. É o caso das trufas brancas de Alba, na Itália, e as negras de Périgord, na França. Sazonais, têm cheiro forte, o que permite que cães treinados as localizem, em uma cuidadosa e concorrida caçada, sempre no outono daqueles países.
Tudo começou a mudar, no entanto, quando o biólogo gaúcho Marcelo Sulzbacher, ferrenho pesquisador dos fungos, encontrou, em 2015, as primeiras trufas brasileiras, numa plantação de nogueiras-peçã, em Cachoeira do Sul. “Os produtores de nozes não sabiam que tinham uma preciosidade nas mãos”, avalia. A primeira trufa brasileira ganhou o nome de Sapucay, em homenagem ao grito Guarani. De sabor mais sutil e delicado que o das europeias, a Sapucay já está presente em muitos dos restaurantes sofisticados do país. Outro fator que promete permitir que as trufas se tornem mais acessíveis por aqui é a comprovação de que nem toda crença é real. Até há pouco acreditava-se que elas só cresciam de forma voluntária, que era impossível cultivá-las. O que justificava o altíssimo preço. A realidade hoje, no entanto, é outra: as trufas podem, sim, ser cultivadas. Argentina, Chile, Estados Unidos, Uruguai, Nova Zelândia, Portugal e Austrália já conseguem uma produção consistente, suficiente até para exportá-las.
Aqui no Brasil, a truficultura (como se chama o cultivo das trufas) está em pleno andamento. O próprio Marcelo Sulzbacher montou uma empresa em Santa Cruz do Sul e está empenhado em comercializar mudas de árvores inseminadas com esporos de trufas. O pesquisador garante que já está obtendo resultados, com algumas boas colheitas.
As pesquisas e a divulgação de que as trufas, no Brasil, podiam ser encontradas fizeram com que mais gente decidisse plantar nogueiras e carvalhos para o cultivo. Foi o caso de Rodrigo Verdi, agrônomo e chef, que plantou carvalhos em seu sítio na Serra da Mantiqueira e já está colhendo as trufas brasileiras, estas denominadas de Bandeirantes. Afinal, cada solo e terroir tem uma característica que interfere diretamente na trufa, tanto em aroma como em sabor.
A descoberta mais recente no Estado foi em Santa Cruz do Sul, em raízes de nogueiras-pecã: a Rubi, cujas características e propriedades ainda estão em estudo.
O chef Raphael Dittrich, do restaurante Ostara, na divisa de Farroupilha e Pinto Bandeira, acredita que essa prática vai permitir que o Estado represente a cultura das trufas no Brasil. E revela que o restaurante Ostara quer ser uma vitrine da cultura no Rio Grande do Sul. Há pouco, fez um jantar especial com trufas brasileiras e europeias, que contou não só com apreciadores, mas também com interessados no plantio de mudas de nogueiras inseminadas para produção das Sapucay.

O chef Carlos Kristensen já participou de uma caçada de trufas Sapucay, em Cachoeira do Sul, e se emocionou ao encontrar uma delas, o que nem sempre acontece na estreia do caçador. “Foi uma experiência maravilhosa, nem eu acreditei quando vi aquela pequena trufa ali nas raízes da nogueira em que estava cavando.” Em seu restaurante Hashi, em Porto Alegre, o chef tem realizado jantares em que a Sapucay é a estrela. Tem se dedicado a muitas pesquisas com esse ingrediente. “Ela é grande parceira da couve-flor, funciona muito bem também com frutas carameladas e com o mel branco de Cambará.” Para a Estilo Zaffari ele traz duas receitas que fogem das combinações clássicas: com manteiga, queijo, ovos e massas. O chef sugere uma entrada com trufas, vieiras e creme de milho, e uma inusitada sobremesa à base de chocolate 70% com azeite de oliva, chai latte e flor de sal.
O chef Dittrich explica que o Ostara mantém no cardápio, durante as safras, pratos em que a trufa é ingrediente de destaque. E, em edições especiais, inclui também as europeias. Chama a atenção para o fato de que trabalhar com elas exige muito cuidado e conhecimento. “Ou ela toma conta de tudo, com seu sabor e aromas intensos, ou pode sumir frente a outros ingredientes”, garante. Aqui, ele revela os segredos do preparo de um corte nobre de carne, o flat iron, com um mil-folhas de trufa, que fez sucesso em um dos jantares da casa. E a receita de cogumelos, trufas e missoshiro cremoso, que também foi destaque.

Saiba mais
- As trufas são conhecidas desde os tempos dos sumérios.
- Já eram consumidas em Roma, desde antes de Cristo.
- Houve um tempo em que a Igreja proibia o consumo, pois as considerava maléficas.
- Por seu forte aroma, são localizadas por cães especialmente treinados para reconhecer o cheiro e indicar o local a ser escavado.
- No passado, eram usados porcos para a localização, mas eles gostavam das trufas tanto quanto os humanos e as comiam ou as danificavam.
- Só na década de 60 foram efetivamente incorporadas à alta gastronomia.
- Em 2021, todo o ritual italiano de caça das trufas foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco.
- Costumam ser servidas em lâminas extremamente finas.
- 4g é considerada a quantidade mínima para sentir o gostinho da trufa.
- Na Europa, o ritual costuma ser o mesmo: a trufa fresca é levada à mesa, e o atendente pesa à vista do cliente. Depois de laminá-las com cuidado sobre o prato, pesa o pedaço que sobrou para calcular quantos gramas foram utilizados.
- Sazonais, as europeias têm a safra no outono, enquanto a safra das brasileiras vai de novembro a março.

As Brasileiras
Sapucay
- Descoberta em 2016 pelo biólogo Marcelo Sulzbacher, em bosques de nogueiras-pecã em Cachoeira do Sul.
- O nome remete a grito guarani.
- É trufa branca com aroma frutado.
- Tem exterior mais escuro.
- Tem aroma de melaço.
- Tem notas que remetem a nozes, castanhas e macadâmias.
- Tem o nome científico de Tuber floridanum.
Bandeirantes
- Descoberta em 2020, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo, em raízes de carvalhos.
- Trufa branca.
- Com cheiro forte, semelhante ao das trufas europeias.
- Tem aroma de alho, queijo parmesão.
- Tem o nome científico de Tuber borchi.
Rubi
- Descoberta em Santa Cruz do Sul, em 2024, pelo engenheiro agrônomo Marcio Frantz.
- Tem aromas fenólicos.
- Encontrada em raízes de nogueiras-pecã.
- Ainda está em fase de pesquisas.
- Tem o nome científico de Tuber lyonni.

Receita
Trufas, Vieiras e Creme de Milho
Por Carlos Kristensen
Ingredientes
- 15g de trufa Sapucay
- 12 vieiras
- 600 g de creme de milho
- 60 g de geleia de alho negro
- azeite de oliva extravirgem
- sal e pimenta-do-reino
- Creme de Milho
- 6 espigas de milho debulhadas
- 100 g de cebola picada
- 10 g de alho picado
- 40 g de manteiga
- 100 ml de caldo de legumes
- 60 ml de leite
- 50 g creme de leite
- 70 g de queijo parmesão
- sal e pimenta do reino
Modo de Fazer
Creme de milho: Refogue a cebola e o alho até suar. Adicione o milho e refogue por alguns minutos. Adicione o caldo de legumes e o leite. Cozinhe por 10min em fogo baixo cuidando para não ferver. Retire do fogo e coloque num processador. Bata até atingir uma textura lisa. Aos poucos vá adicionando o creme de leite e o queijo parmesão. Finalize com sal e pimenta. Se precisar, leve a panela para apurar.
Vieiras: Seque bem as vieiras com papel-toalha e tempere com sal e pimenta-do-reino. Grelhe apenas um dos lados das vieiras em uma frigideira antiaderente com fio de azeite de oliva, até ficar dourado. Reserve (grelhar em apenas um dos lados da vieira preserva mais a integridade do ponto e frescor da vieira).
Montagem: Sirva o creme de milho no centro de um prato médio (entrada). Disponha 3 vieiras em cada prato sobre o creme de milho, com o lado grelhado para cima. Sirva a geleia de alho negro em pingos entre as vieiras. Regue com um fio de azeite de oliva. Lamine a trufa sobre o prato utilizando um laminador de trufas e sirva imediatamente.
Dicas
- Grelhar em apenas um dos lados da vieira preserva mais a integridade do ponto e frescor da vieira.
- A receita foi criada como uma entrada e rende 4 porções.
- Caso deseje servir como prato principal, serve 2 pessoas.

Receita
Cremeux de Chocolate com Trufas Gaúchas, Azeite Koroneike, Chai Latte e Flor de Sal
Por Carlos Kristensen
Ingredientes
- 4 g de trufas Sapucay laminada
- 10 ml de azeite de oliva Koroneike
- 20 g de nibs de cacau
- flor de sal
- CREMEUX
- 150 g de chocolate 70% cacau
- 50 g de açúcar cristal
- 10 g de trufa Sapucay ralada
- 200 ml de creme de leite
- 100 ml de leite integral
- 50 ml de azeite de oliva Koroneike
- 3 gemas de ovos caipira
- CHAI LATTE
- 10 g de gengibre fresco
- 3 g de cardamomo
- 2 g de cravo-da-índia
- 2 g de canela em pau
- 30 g de açúcar cristal
- 5 g de chá preto
- 200 ml de leite integral
Modo de Fazer
Cremeux: Bata as gemas com o açúcar. Ferva o leite e o creme de leite tempere as gemas, adicionando aos poucos e mexendo sempre. Leve novamente a mistura ao fogo e cozinhe até atingir 84 graus. Desligue o fogo e adicione o chocolate picado, a trufa ralada e o azeite de oliva. Mexa bem. Leve para gelar.
Chai latte: Misture todos os ingredientes, com exceção do leite, e amasse com um pilão até resultar em um pó uniforme. Adicione o pó ao leite frio e deixe em infusão por, no mínimo, 2 horas. Coe.
Montagem: Sirva os nibs de cacau em um prato fundo ou uma tigela. Faça uma quenelle do cremeux e sirva sobre os nibs. Faça uma espuma do chai latte gelado com a ajuda de um mixer de mão. Sirva a espuma de chai latte em toda a volta da quenelle. Coloque uma flor de sal sobre quenelle. Finalize com as trufas laminadas no topo da quenellee com alguns pingos de azeite de oliva Koroneike sobre o chai latte.

Receita
Flat Iron com Molho
de Nata e Mil-folhas com Trufa
Por Raphael Dittrich
Ingredientes
- 300 g de Flat Iron
- 2 batatas fatiadas finamente
- 15g de trufa brasileira Sapucay fresca e laminada
- 150 ml de vinho branco seco
- 500 ml de nata fresca
- 300 g de cebola picada
- 20 g de alho-poró picado
- 35 g de manteiga
- sal e pimenta branca
Modo de Fazer
Flat iron: Tempere o flat com sal e pimenta, reserve. Asse na brasa (se possuir churrasqueira) ou sele em uma frigideira, preaquecida, até dourar bem dos dois lados. Para finalizar o cozimento, perfeitamente, leve ao forno preaquecido a 180 graus por 8 minutos.
Molho de nata: Em uma frigideira preaquecida, refogue 200 g de cebola picada e 15 g de manteiga até dourar. Acrescente 300 g de nata e 100 ml de vinho branco e deixe reduzir em fogo baixo, mexendo constantemente até engrossar levemente. Ajuste, por último, o sal.
Mil-folhas: Refogue a cebola e o alho-poró na manteiga. Adicione o vinho branco e deixe reduzir até secar. Acrescente a nata, tempere e reserve. Monte camadas de batata, intercalando com o molho de vinho e algumas lâminas de trufas nas camadas. Não esqueça de reservar uma parte das trufas para finalização. Asse a 170 graus, por 35 ou 40min.
Montagem: Disponha o flat fatiado e uma porção generosa de mil-folhas em um prato. Regue o flat com o molho de nata. Decore com mais lâminas de trufa Sapucay espalhadas por todo o prato.
- Dicas
O flat iron é uma corte de carne bovina, que vem da paleta do boi, na região do ombro. - O flat iron é macio, suculento e saboroso.

Receita
Cogumelos, Trufas e Missoshiro Cremoso
Por Raphael Dittrich
Ingredientes
- 3 xícaras de dashi
- 2 colheres (sopa) de missô branco
- 1 xícara de cogumelos shitake cortados ao meio
- 1/2 xícara de leite de coco
- suco de 1/2 limão siciliano
- 1 colher (chá) de gengibre ralado
- 1 colher (sopa) de mel de abelha nativa
- pimenta preta
Modo de Fazer
Cogumelo: Refogue o shitake com gengibre até ficar macio. Adicione o dashi e o leite de coco. Aqueça sem ferver. Incorpore o missô dissolvido em um pouco de caldo. Desligue o fogo, adicione o suco de limão e sirva. Finalize com um fio de mel de abelha nativa e pimenta preta ralada na hora.
Montagem: Disponha os cogumelos no centro do prato e regue com o missoshiro, finalize com o mel, a pimenta e lâminas de trufas Sapucay. Para decoração, utilize folhas de capuchinha.
- Dica
Escolha um mel mais ácido, como das abelhas mandaçaia.