O dourado dos doces de ovos lembra o ouro, remete à riqueza e à prosperidade. Muito além da associação à ideia de talismã para mais sorte na virada do ano, no entanto, os doces à base de ovos são tradição, herança portuguesa que sofreu algumas adaptações no Brasil, mas que tem por alicerce a doçaria lusitana.
Aqui, conquistaram apreciadores e invadiram as prateleiras das confeitarias e a mesa dos brasileiros. É verdade que há quem os considere com excesso de doçura, mas de uma inegável beleza. Foram eles responsáveis pelo sucesso de muitas doceiras, como a gaúcha Maria Teresa Schaan Pessano, cozinheira de mão cheia, professora de culinária e expert em doces de ovos. Junto com Iglea Etges e Martha Duarte propagou as receitas, sem segredos, para tantas outras confeiteiras e donas de casa.
Aos 17 anos, Maria Teresa decidiu que queria trilhar um caminho diferente do comum na época e seguir o aprendizado da culinária, inspirada na mãe, uma exímia doceira e salgadeira. Ingressou, então, na Escola de Culinária Darcy Vargas. Dois anos depois, já assumia como professora das iniciantes. De lá, para outras cozinhas. Foram mais de 50 anos de compartilhamento de sua arte. Atualmente, Maria Teresa está aposentada e prepara delícias apenas como presente para alguns privilegiados amigos e familiares.
Como boa professora, Maria Teresa
transmitiu o conhecimento para as filhas
Patrícia e Carolina, que também são doceiras
Como boa professora, no entanto, transmitiu todo o conhecimento para as filhas: Patrícia, Carolina e Vivian. Esta última mora no México e se dedica à cozinha salgada. Patrícia e Carolina seguem os passos da mãe e produzem doces sob encomenda, para particulares, cafés e confeitarias.
Patrícia, aos 13 anos, já preparava tortas de maçã para ganhar algum dinheiro e ajudava a mãe na elaboração dos doces de ovos. Mais tarde, professora no Ensino Fundamental, dividia o tempo entre as aulas e a arte da confeitaria. Ao se aposentar, passou a dedicar-se exclusivamente aos doces. Apesar de dominar o preparo de todos as receitas que a mãe ensinou, especializou-se em massa folhada, fios de ovos, bem-casados e ninhos.
Carolina é pedagoga de formação e por mais de 20 anos trabalhou na área de Recursos Humanos. Foi durante uma bolsa de Doutorado, no Algarve, em Portugal, que se dedicou à pesquisa mais aprofundada sobre os métodos de preparo dos doces lusitanos. Hoje, faz doces para cafés e confeitarias, entre eles pastel de Santa Clara, merengue recheado, ninho e quindim.
Para os leitores da Estilo Zaffari, Maria Teresa, Patrícia e Carolina revelam as receitas, os segredos e muitas dicas de como preparar algumas dessas delícias.
Quindim
O doce teria sido uma adaptação da receita do Brisas de Lis, típico do distrito de Leiria, em Portugal. Lis é o nome do rio que atravessa a cidade. Mas há doces semelhantes em Beja, Évora e Cascais. Todos à base de ovos e amêndoas.
É considerado um doce afro-brasileiro por ter sido adaptado pelas escravas negras levadas das senzalas para a casa grande, que substituíram a amêndoa, ausente por aqui, pelo coco. A palavra quindim tem origem africana e significa dengo, encanto.
Era o doce predileto do poeta Mario Quintana, que costumava apreciar dois ou três com café preto, sem açúcar. Foi imortalizado na canção de Ary Barroso: “Só sei que Iaiá tem coisas que outras mulher não tem. O que é? Os quindins de Iaiá”. Iaiá era o tratamento da senzala para as meninas e moças da casa grande.
Na religião afro, é o alimento sagrado de Oxum, pela doçura, pela cor dourada e por ser à base de ovos.
Doce de Ovos
O doce de ovos, como tantos outros de origem portuguesa, faz parte da doçaria conventual, resultado da criatividade das freiras de diferentes congregações frente ao excesso de gemas que sobravam depois de as claras serem utilizadas para engomar parte de suas vestimentas. Existem algumas diferenças entre o doce de ovos para ser consumido puro, como recheio ou envolto em hóstias. O envolto em hóstia é preparado com uma calda. O doce de ovos para sobremesa ou recheio pode ser feito misturando todos os ingredientes, como ensina Maria Teresa Pessano. O ponto vai depender do resultado final que se pretende obter.
Fios de Ovos
A receita de fios de ovos teria surgido no Mosteiro de São Bento da Ave-Maria, no Porto, em Portugal. O mosteiro fundado em 1518, sob tutela do rei D. Manuel e demolido no final do século 19, era moradia de freiras beneditinas. As claras de ovo, na época, seriam utilizadas para engomar os ternos dos nobres e parte das vestimentas das freiras, além de servir para retirar impurezas de vinhos brancos. Desta forma, sobravam muitas gemas. Surgindo, daí, a ideia de utilizá-las no preparo de doces, cozinhando-as em uma calda de açúcar.
A ideia de usar para fazer doces as gemas que sobravam
do processo de engomar as vestes das freiras surgiu
no Mosteiro de São Bento da Ave-Maria
Saiba mais
- Os doces ficam perfeitos quando as caldas são preparadas nas temperaturas controladas por termômetros.
- A temperatura de calda fina é entre 102 a 105 graus, a de calda média é de 108 graus e a de calda grossa, 112 graus.
- Todos os doces à base de ovos podem ser congelados. Conserve no congelador em caixa tampada e envolta em sacos plásticos.
- Apesar de associada ao doce de ovos, a baba de doce é feita substituindo parte da água da receita por leite de coco.
Os doces à base de ovos vão bem com vinhos brancos doces portugueses, como Moscatel de Setúbal, Carcavellos, Madeira
Receita
Quindim
Maria Teresa Schaan Pessano
Ingredientes
- 1 coco ralado (200 g a 250 g sem a pele)
- 500 g de açúcar
- 16 gemas
- 140 g de manteiga sem sal
- Glucose de milho
Modo de Fazer
Prepare a massa misturando numa tigela o açúcar, o coco ralado e as gemas. Derreta a manteiga e acrescente na massa, misturando bem. Gele por, no mínimo, 1 hora. Pincele as forminhas com a glucose e, em seguida, coloque a mistura. Leve ao forno preaquecido a 250 graus para assar, em banho-maria (com água fervente), na prateleira de baixo, por aproximadamente 40 min. Retire do forno quando os quindins estiverem dourados por cima.
Dicas
- Pode derreter a manteiga no micro-ondas.
- O coco pode ser comprado já ralado e congelado.
- Para quindins pequenos, as forminhas podem ter cerca de 4,5 cm de diâmetro.
- Pode ser feito também um quindão em uma forma grande.
- Leve à geladeira e desenforme no outro dia.
- Para retirar da forminha, passe uma faca de ponta fina pelas beiradas, soltando o quindim e colocando em uma bandeja.
- Podem ser congelados e consumidos sem alteração de sabor.
Receita
Doce de Ovos
Maria Teresa Schaan Pessano
Ingredientes
- 500 g de açúcar
- 20 gemas peneiradas
- 1/2 xícara de água
- 1 colher (chá) de açúcar de baunilha
- 1 colher (sopa) de manteiga sem sal
Modo de Fazer
Misture todos os ingredientes e leve ao fogo brando. Mexa lentamente em movimentos circulares, evitando que o doce grude no fundo da panela. Quando começar a formar bolhas e o creme estiver espesso, desligue o fogo e deixe esfriar, sem retirar da panela para não talhar.
Dicas
- O doce de ovos deve ser feito em panela de alumínio. As de inox aquecem demais.
- O açúcar de baunilha pode ser substituído por essência de baunilha.
- Pode peneirar as gemas direto na panela que fará o doce.
- O ideal para mexer o doce de ovos é uma colher reta de madeira.
- Não bata a mistura, para que não açucare.
- Pode ser guardado na geladeira por até 15 dias em pote bem fechado. Também pode ser congelado.
- Pode ser servido em pequenas taças puro ou com canela polvilhada. E também acompanhado de merengue ou chantilly.
- O doce de ovos pode ser utilizado para rechear os ninhos de fios de ovos ou como recheio de tortas e de pastéis de Santa Clara.
- Se quiser, é possível fazer duas receitas ao mesmo tempo.
Receita
Fios de Ovos
Maria Teresa Schaan Pessano
Ingredientes
- 40 ovos tipo A (equivalente a 1 litro de gemas)
- Calda
- 2 kg de açúcar
- 2 litros de água
Modo de Fazer
Prepare a calda colocando, em uma bacia de alumínio (28 cm de diâmetro e 9 cm de altura), o açúcar com a água. Misture bem e deixe ferver até que atinja a temperatura de cerca de 102 graus, cuidando para não derramar a calda. Enquanto a calda está no fogo, abra os ovos, que devem estar gelados, separando as claras das gemas. Peneire as gemas, coloque em um pote com tampa ou em bisnagas e reserve. Com uma escumadeira, retire a espuma que se forma nas beiradas da bacia com a calda. Pegue a bisnaga e faça movimentos circulares, enquanto as gemas caem na calda (cerca de 30 voltas). Com a ajuda de 2 garfos, separe os fios. Após soltos, retire da calda, formando uma mecha, passe em uma tigela com água fria e coloque para escorrer em uma peneira. Repita o mesmo processo até terminar as gemas. Ao fim, afine a calda colocando mais água e deixe ferver. Solte os fios de ovos com as mãos molhadas, pois facilita o processo. Coloque as mechas num pote e regue com a calda fina para ficarem molhadinhas. Guarde na geladeira.
Dicas
- Se durante o processo a calda estiver muito grossa, coloque um pouquinho de água.
- O açúcar cristal é o melhor para caldas.
- Os ovos devem estar gelados para se fazerem os fios.
- Também podem ser feitos com funil, como era antigamente.
- Fique sempre observando a calda, pois ao ferver pode transbordar.
- Utilize ovos gelados no preparo de fio de ovos. Mas, para os ninhos, devem estar em temperatura ambiente.