A carne saborosa, macia e com variedade de cortes passou a compor pratos elaborados
Um dos símbolos da gastronomia do Rio Grande do Sul, o cordeiro se faz presente na mesa dos gaúchos como carne e em diferentes versões de queijo. Chefs de restaurantes de Porto Alegre costumam criar receitas modernas ou releituras de tradicionais utilizando a carne e os queijos produzidos no bioma Pampa. O cordeiro é ainda responsável por incrementar o turismo na região da Campanha e da Serra.
Desde cedo, a economia do Rio Grande do Sul esteve voltada para a agropecuária, com predomínio das grandes propriedades, dedicada à criação de gado e ovinos. Durante muito tempo, era possível acompanhar pelos campos do bioma Pampa gaúcho as tropeadas que conduziam os animais de uma propriedade a outra. Em meio às longas e demoradas viagens, o churrasco era a mais tradicional alimentação dos peões.
As ovelhas ocupavam grandes áreas das fazendas no Sul do Brasil e no Uruguai. Originalmente, o rebanho tinha como seu principal destino a produção de lã. A carne ovina era destinada apenas ao consumo da família e dos peões, e as ovelhas eram carneadas mais velhas, apresentando uma carne de sabor intenso e fibras fortes.
Com a introdução das fibras sintéticas e o declínio dos lanifícios, os criadores passaram a substituir o rebanho por ovelhas de corte, para atender um novo mercado consumidor, dos centros urbanos que buscavam novas experiências gastronômicas. A carne saborosa, macia e com variedade de cortes passou a compor pratos elaborados. Assada, grelhada ou no churrasco se fez presente em restaurantes e na mesa dos brasileiros.
Na fronteira do Brasil com o Uruguai, a cidade de Santana do Livramento tem um dos maiores rebanhos ovinos do Brasil, o que lhe garantiu o título de Capital Nacional da Ovelha, conferido por Lei Federal. Livramento se tornou, junto com a vizinha uruguaia Rivera, um polo de turismo gastronômico com os cordeiros, queijos e os vinhos produzidos na região.
O tema se tornou tão importante para a Campanha que foi lançado o livro “Cordeiro do Pampa & Receitas”, com participação de chefs e cozinheiros de Livramento e de Rivera. O livro traz sugestões de preparo bem diferentes das usuais, como vinagrete de língua, cordeiro ao creme de cogumelo e steak tartar de charque de cordeiro.
Em Porto Alegre, o chef Marcelo Schambeck valoriza, e muito, os produtos do Pampa. Tem o cordeiro, assim como os queijos da Campanha produzidos pela fazenda Terroir da Vigia, como destaque no cardápio do seu restaurante Capincho, na Capital. Pera e kiwi com águachille (“água de pimenta,” em espanhol), ervilha e queijo Sant’ Ana é um dos pratos sazonais, leve e refrescante. Outra receita sazonal é a Chicória com coalhada de iogurte, mel e mostarda, laranja sanguínea, coquinho de butiá e queijo Etchêkoa, uma explosão de sabores. Entre os pratos principais, o lombo de cordeiro recebe a parceria do molho de pinhão, batata-doce e agrião.
O sucesso do cordeiro, porém, vai além das mesas de restaurantes. No turismo, as ovelhas são as principais atrações da Casa da Ovelha, em Bento Gonçalves, onde os turistas podem acompanhar os animais sendo pastoreados por cães, alimentar os filhotes com mamadeira e ainda provar os queijos e o doce de leite produzidos no local.
Os queijos
O sonho do francês Gaspar Desurmont, de produzir na Campanha gaúcha queijos de qualidade como os feitos na França, acabou por se tornar realidade. O Terroir da Vigia, em Santana do Livramento, produz queijos de leite de ovelha que têm sido premiados em diferentes concursos. Destaque para o pecorino e o chamado Duble Chapa (expressão que identifica quem tem nacionalidade brasileira e uruguaia), que une dois queijos prensados juntos, um de leite de ovelha e outro de leite de vaca.
Na propriedade, com 70 hectares, o casal Gaspar Desumont e Graciela Bittencourt cria ovelhas e porcos, planta uvas, com dedicação especial à produção de queijos artesanais e vinhos.
Nascido na França, no Vale do Loire, Gaspar acredita que não é preciso imitar seu país de origem ou qualquer outro na produção de queijo. Os cerca de 400 kg/mês da Terroir da Vigia são queijos únicos com características próprias. Um dos destaques da casa é o Etchêkoa, produzido com leite cru de ovelha, de massa semicozida, prensado e curado por no mínimo 3 meses. O reconhecimento da qualidade dos produtos tem vindo com diversas premiações em concursos nacionais.
Cortes da carne
Diferentes cortes de carne, cada um deles com características diversas, pedem diferentes modos de preparo. Algumas sugestões podem ajudar na hora de compor as receitas.
Carré Curto
É o corte anterior ao carré francês. Apresenta extrema suculência, com bastante marmoreio, e pode ser preparado em churrasqueira, grelha ou até no forno. É dele que sai também o entrecot.
Carré Francês
É considerado o mais nobre e valorizado da gastronomia. É delicado, macio, tem sabor suave, textura única e possibilita lindas apresentações de empratamento. Pode ser preparado em churrasqueira, forno ou grelha.
Chuleta
Com muito sabor, vai bem em receitas de panela que acompanham mandioca ou batatas. Também pode ser feita na chapa ou grelha.
Costela
Muito utilizada no tradicional churrasco. Deve ser assada com o osso voltado para baixo e somente na hora de servir deve ser virada para dourar. Também pode ir ao no forno ou à panela. Quando desossada pode ser assada como uma “manta” ou então recheada.
Entrecot
Não é recomendável fazê-lo no espeto, pois perde o suco e fica mais firme. O ideal é prepará-lo na parrilla ou grelha, apenas selando a carne para ganhar uma crocância por fora e maciez por dentro.
Filé Mignon
Corte suculento, de sabor mais suave do que o do contrafilé. Tem pouca gordura. Ideal para bifes, medalhão, escalope, estrogonofe e também para um refogado. É uma carne bem magra, portanto o ponto certo para servir é ao ponto para mal passada.
Lombo
É um corte sem osso e com muita carne. Apresenta uma camada de gordura que traz sabor e suculência. É ideal para grelhar. Permite diversas combinações com molhos e acompanhamentos.
Paleta
Normalmente, é assada inteira, porém leva algumas horas para ficar pronta, pois tem osso, fibras grossas e uma camada de gordura externa. É extremamente macia e oferece um sabor único. Quando bem preparada, a carne se solta facilmente do osso e desfia. Combina com temperos como zimbro, hortelã, páprica e vinho.
Pernil
É ideal para assar na churrasqueira. Quando desossado, pode ser recheado para assar no forno. Também pode ser cortado em grandes bifes, ideais para grelhar.
Pescoço
Pode ser preparado com ou sem osso. É um corte propício para churrasqueira ou para ser feito em fogo baixo. Também pode ser utilizado para fazer ragu, molhos para massas ou recheios.
Picanha
O pequeno pedaço retirado da anca do cordeiro tem como característica uma maciez extrema e é perfeito para o churrasco.
Stinco ou Canela
Com sabor mais intenso, costuma ser preparado inteiro, com osso e sob cozimento lento. Para acompanhar, massa, risoto ou polenta mole. É um corte muito difundido na Europa.
T-Bone
Com um osso em forma da letra T, de onde vem o nome, contém a parte central do filé mignon e a parte mais nobre do contra filé com acabamento de gordura. É ideal para grelhar.
Harmonização com a carne
Syrah
Oferece uma harmonização perfeita com o cordeiro por ser um vinho com bastante acidez, combinando com o peso da carne, além de cortar a gordura presente nessa proteína. O Syrah vai bem com pratos de cordeiro feitos com especiarias ou ervas.
Malbec
O pernil de cordeiro cozido de forma lenta pede um Malbec argentino. Essa uva dá uma coloração forte ao vinho, quase a cor natural da fruta. Tem um aroma frutado bem marcante, além de um sabor que permanece na boca por muito mais tempo.
Pinor Noir
Este é perfeito para acompanhar pratos mais delicados feitos com essa carne, como costela de cordeiro com vegetais ou um ensopado. É um vinho feito com uva de casca mais fina e, por conta disso, está propenso a ter um sabor mais delicado e um tom de vermelho mais claro. O aroma consiste em toques de frutas, como framboesa, cereja e amora, além de ervas, flores e especiarias.
Tannat
Para os especialistas em vinhos, existe uma máxima: o que cresce junto, se come junto. Alimentos e vinhos da mesma região carregam experiências semelhantes de solo, clima, geografia, então, harmonizam perfeitamente. Cordeiro e Tannat são uma dupla imbatível, principalmente quando a carne é preparada como churrasco.
Os queijos
Feta
É um queijo coalhado típico da Grécia, feito tradicionalmente com leite de ovelha e de cabra. Acredita-se que tenha sido produzido pela primeira vez pelos gregos, há 8 mil anos, sendo um dos mais antigos queijos do mundo. No entanto, só se tornou uma indústria significativa no século 19, quando a demanda por queijo na Grécia e em outras partes da Europa começou a aumentar.
A partir de 2005, “Feta” passou a ser uma denominação de origem controlada, na União Europeia, devendo conter, pelo menos, 70% de leite de ovelha, e o restante, cabra. É maturado e salmourado. É um queijo mole de textura macia e quebradiça, cor branca e sem casca. Possui um sabor levemente ácido, salgado e um pouco picante, com aroma forte e que lembra levemente a nozes.
Como Armazenar: O ideal é que fique em um recipiente hermético e refrigerado, em uma temperatura entre 2 e 4 graus, para evitar o crescimento de bactérias. Se o queijo estiver em um bloco grande, é possível mantê-lo submerso em uma solução salgada para preservar sua frescura.
Na Cozinha: Versátil, pode ser cortado em cubos e adicionado a saladas frescas, como uma salada grega com tomate, pepino, azeitonas e vinagrete de limão. Também é um ótimo complemento para pizzas caseiras, acrescentando um sabor salgado e cremoso. Além disso, pode ser usado em sanduíches, como o de frango grelhado com pesto e rúcula. Outra opção é incorporá-lo em pratos de massas, como penne com tomate seco e espinafre.
Pecorino
É um queijo de origem italiana feito de leite de ovelha. O Pecorino é um queijo duro, compacto e salgado, com sabor forte, muitas vezes usado em culinária, ralado. A consistência e a intensidade de sabor vão depender do tempo de maturação.
Como Armazenar: Os queijos curados podem ser armazenados fora da geladeira, em lugar fresco e seco. Devem ser envoltos em papel-alumínio ou plástico para evitar que fiquem ressecados.
Na Cozinha: À medida que o tempo de maturação aumenta, a cor, aroma e textura do queijo mudam. 45 e 90 dias de maturação são mais suaves, são ideais para saladas e ralados em alguns tipos de risoto e lasanhas. Já os queijos com 180 e 270 de maturação têm sabor e aroma parecidos com os do Parmesão, por isso são mais indicados para receitas com carnes e peixes. Além de se encaixarem de maneira perfeita em uma massa carbonara típica italiana. O com 500 dias de maturação lembram um Grana Padano. Por isso, ele é muito utilizado em risotos e cremes.
Roquefort
No passado, o favorito do imperador Carlos Magno, o Roquefort é chamado na França de “queijo dos reis e dos papas”. Rico, cremoso, forte e salgado no sabor. É úmido e se quebra em pedacinhos com facilidade. Costuma ser maturado por até 5 meses.
Como Armazenar: O Roquefort deve estar sempre embalado, seja na embalagem original ou em papel-alumínio, e colocado na parte inferior da geladeira, o que ajudará a mantê-lo úmido e cremoso. Mudanças bruscas de temperatura devem ser evitadas. Retire da geladeira pelo menos 1 hora antes de servir, mantendo assim a máxima umidade, sabor e textura. Pode ser congelado.
Na Cozinha: Pode ser consumido puro ou acompanhado de uma fatia de pnao de centeio – que é a origem do fungo Penicillium Roqueforti – e uma taça de vinho doce, como o Sauternes e o Porto. Normalmente é servido após a refeição. Mas é muito utilizado também em saladas (principalmente com endívias e nozes), molhos para carnes, tortas, quiches, omeletes, pizzas. É um ótimo acompanhamento para vegetais crus, em aperitivos e entradas. Também combina bem como aipo, abacate e tomates. Vai particularmente bem com os frutos secos e frutas, como pera, uvas, maçãs ou figos, frescos ou transformados em geleia.
Harmonização com queijo
Feta
Os brancos secos, como Sauvignon Blanc e Pinot Grigio, são ótima escolha. A acidez desses vinhos ajuda a equilibrar o sabor salgado do queijo. Os rosés também são boa opção, especialmente se forem secos e frutados, pois complementam a cremosidade do queijo e ajudam a realçar seu sabor. Os tintos leves, como o Pinot Noir, podem ser uma boa opção, desde que tenham taninos macios e acidez equilibrada. Espumantes bruts e rosés têm uma boa acidez para equilibrar o sabor salgado do feta.
Pecorino
Com sabor robusto e salgado, encontra na intensidade do vinho Malbec uma parceira perfeita. O Malbec, com seus taninos suaves e notas de frutas escuras, como ameixa e cereja, complementa a textura e o sabor marcante do queijo. Sangiovese, uma harmonização direta da Toscana. Uvas mais tradicionais, como Cabernet Sauvignon e Merlot, também funcionam, desde que tenham um bom corpo e intensidade. Gewürztraminer, Beaujolais, Chianti podem ser uma boa opção.
Roquefort
Por seus sabores fortes e textura cremosa, proporcionando uma experiência gustativa intensa, demanda um vinho com características distintas para uma harmonização equilibrada. O segredo é combater o sal. Barbarescos e Barolos podem ser uma boa opção. Quando servido ao final da refeição, harmoniza perfeitamente com vinhos de sobremesa, como Porto, Jerez, Sauternes, Riesling doce e Icewines.
Receita
Lombo de Cordeiro com Molho de Pinhão, Batata Doce e Agrião
Chef Marcelo Schambeck
Ingredientes
- 1 lombo de cordeiro limpo
- 60 ml de molho de carne (demi glace)
- 5 pinhões descascados e cortados em rodelas
- 1 batata-doce laranja
- 1/2 batata-doce roxa
- 1/5 de maço de agrião verde
- Suco de 1/2 limão
- 30 ml de azeite
- Pimenta-do-reino
- Sal
Modo de Fazer
Batata roxa: Lamine em finas lâminas, lave bem, trocando a água até que fique totalmente transparente. Seque bem e frite as lâminas no óleo a 120 graus. Tempere com sal e reserve.
Batata laranja: Ferva a água e junte1 colher (sopa) de sal, disponha a batata e cozinhe até ficar macia. Corte a batata ao meio, disponha numa assadeira e asse no forno a 250 graus até dourar.
Lombo: Tempere o lombo com sal e pimenta do reino e grelhe numa frigideira quente. O melhor ponto do lombo de cordeiro é o mal passado ou ao ponto menos.
Montagem: Aqueça o molho e misture o pinhão. Disponha a batata laranja no prato, junto com o lombo, regue com o molho e por cima de tudo coloque o agrião temperado com o suco de limão e azeite, e por fim disponha os chips de batata doce roxa.
Receita
Pera e Kiwi com Águachille, Ervilha e Queijo Sant’ana
Chef Marcelo Schambeck
Ingredientes
- 1 pera descascada
- 1 kiwi descascado
- 150 g de ervilha fresca
- 1/2 maço de coentro
- 50 g de queijo Sant’Ana da Terroir da Vigia
- Flor de sal a gosto
- Águachille
- 40 g de pepino pelado e sem sementes
- 10 g de pimenta dedo-de-moça
- 10 g de pera
- 10 g de maçã verde
- 15 g de manjericão
- 20 g de uva verde
- 1 pedra de gelo
- Sal a gosto
- Suco de 3 limões Taiti
- Óleo de manjericão
- 3 maços de manjericão
- 100 ml de óleo
Modo de Fazer
Pera: Cozinhe a pera no termocirculador a 90 graus por 6 horas. Ou asse no forno a 160 graus por 1 hora, enrolada em um papel-alumínio. Deixe esfriar e reserve.
Ervilha: Branqueie a ervilha e reserve metade. Bata a outra metade no liquidificador com um fio de azeite até formar uma purê.
Águachille: Bata no liquidificador todos ingredientes do águachille e coe.
Óleo de Manjericão: Branqueie as folhas de manjericão e bata no liquidificador com o óleo, depois passe por uma peneira bem fina.
Montagem: Corte a pera em fatias e disponha no prato, faça o mesmo com o kiwi. Por cima coloque a águachille e o óleo de manjericão. Finalize com as ervilhas e o purê de ervilha, por cima o coentro e lascas do queijo. Tempere com flor de sal.
Receita
Chicória com Coalhada de Iogurte, Laranja Sanguínea e Queijo Etchêkoa
Chef Marcelo Schambeck
Ingredientes
- 1 maço de chicória
- 200 g de iogurte desnatado
- Suco de 1 limão
- 50 g de copa lombo desidratada
- 20 g de coquinho de butiá
- 1 laranja sanguínea
- 50 g de queijo Etchêkoa da Terroir da Vigia
- Molho de mostarda
- 50 ml de suco de limão
- 100 ml de azeite
- 1 colher (sopa) de mostarda Dijon
- 1 colher (chá) de mel
- Pimenta-do-reino e sal
Modo de Fazer
Chicória: Limpe as folhas de chicória e corte em quatro partes. Reserve.
Coalhada: Misture o iogurte com o suco de limão e uma pitada de sal. Disponha em um coador com filtro de café e deixe pingar todo soro. O processo demora algumas horas. Retire a coalhada do filtro e ajuste o sabor, se necessário.
Montagem: Descasque a laranja e retire os gomos. Coloque no fundo do prato a coalhada. Por cima, os gomos de laranja, o coquinho de butiá e a copa desidratada. Tempere as folhas com o molho e coloque e disponha no prato. Por fim rale o queijo por cima de tudo.