Cozinhar é aprender o caminho da alma. O que pode parecer apenas uma frase de efeito é a mais simples verdade. A cozinha não diz respeito apenas aos ingredientes, aos livros de receita, aos programas de TV ou dicas nas redes sociais que prometem revelar maneiras diferentes de preparar os alimentos. Aprender a cozinhar permite ganhar o sustento, mas acima de tudo faz despertar lembranças, transportar ao passado, oferecer afeto, porque a comida não tem só a ver com nutrir o corpo, mas também com alimentar a alma.
Aprender a preparar um prato pode ser um exercício de observação, de paciência, de encontro com quem se admira na arte de cozinhar. Basta acompanhar o sucesso das aulas presenciais de gastronomia, que continuam atraindo inúmeros alunos, apesar da fartura de programas de TV dedicados ao tema e das incontáveis receitas oferecidas nas redes sociais e em cursos on-line. Estar presente, observar, tirar dúvidas, acompanhar ao vivo, sentir os aromas, ver as cores e provar cada etapa só é possível na presença de outro. E muitas vezes serve, também, para ocupar espaço na solidão.
A professora Viviane Aguiar, em 18 anos de ensino presencial, tem percebido os mais diversos motivos que levam alunos e alunas a frequentarem suas aulas. Tem os que buscam uma opção de renda para o futuro, como a técnica em Enfermagem Eloisa Barreto dos Santos, que saiu direto do plantão no Hospital de Clínicas para passar uma manhã, tarde e início de noite aprendendo o preparo de doces para cafeteria, pensando na aposentadoria. Acredita que aprimorar conhecimento só vai fazê-la evoluir. Eloisa usa o Instagram, @deliciasdaelo, para aceitar encomendas de doces, como a cheesecake, seu carro-chefe. Atenta, anota os mínimos detalhes, comentários feitos pela professora e destaca todas as dicas. Adriana Vargas já trabalha com confeitaria, depois de frequentar diferentes cursos. Guarda como tesouro as apostilas com as receitas e truques que aprendeu. O rocambole de pavlova entrará na lista dos doces que preparará.
As aulas de confeitaria costumam ser frequentadas, quase que na totalidade, por mulheres. E Viviane acredita que isso se deva principalmente à exigência de precisão, muitos preparos e paciência. Enquanto os de panificação ou pratos salgados têm a tendência de receber algum público masculino.
Lisiane Bittencourt instalou um atelier/escola de cozinha na garagem de sua casa, em Cachoeirinha. Ali, cede espaço para outras professoras como Viviane Aguiar, mas ministra ela mesma diferentes cursos, dando preferência aos de gestão. Nos anos de experiência, percebeu que a maioria das que frequentam a escola vão em busca de mais conhecimento, mas outro tanto delas querem companhia, um espaço para compartilhar a vida e, por vezes, esquecer os problemas e aplacar a solidão. Professoras em alguns momentos fazem o papel de conselheiras.
Hobby e solidariedade
Um público bem diverso frequenta os cursos do Grêmio Náutico União. Os homens integram a Confraria União Cooks, com 20 anos de existência, e as mulheres, o União D’Elas, criado em 2009. São médicos, empresários, profissionais liberais, advogadas, donas de casa. São cozinheiros amadores, gourmets, que têm na Gastronomia um hobby e uma paixão. E se dedicam a ele com afinco, em cursos regulares e especiais. Para os cursos na sede do clube, convidam cozinheiros e chefs de cozinha e procuram aprender os segredos da lida profissional, sem que pretendam ingressar nesse tipo de negócio. Afinal, saber cozinhar é um estilo de vida. Por isso, buscam, sim, ampliar horizontes culturais e sociais, fazer amigos e praticar a solidariedade em ações e campanhas beneficentes, como jantares com renda para o Imama (Instituto de Mama do Rio Grande do Sul). Algumas aulas, eventualmente, são abertas ao público.
O contador Jorge Ferla é o atual presidente do União Cooks. Gourmet, se reúne com os confrades para falar de comida, cozinhar e aprender novas técnicas e receitas. Adepto do turismo gastronômico, eles e seus amigos e confrades podem escolher um roteiro com o objetivo principal de provar uma iguaria ou conhecer um restaurante. Ficam realizados com uma nova aula.
Alexandre Sharin, proprietário do restaurante indiano que leva seu sobrenome, tem sido um dos professores convidados para ensinar técnicas e temperos. O chef dá todas as dicas que completam as receitas já distribuídas, mas o que realmente faz diferença é poder colocar, literalmente, a mão na massa, cortar os ingredientes e rechear as Samosas, o pastelzinho frito indiano, com batata, camarão ou vegetal. E provar, sentir o sabor, impossível em outras formas de aprendizado.
É quando a cozinha experimental ganha diferentes nuances de aromas com as muitas especiarias que pede a comida étnica. É a descoberta do truque de aquecer o cardamomo, o anis estrelado, para que liberem a sua potência. É a hora de usar o iogurte e tantos outros ingredientes na elaboração do Raita, o molho típico, fresco, que vai dar um toque especial à Samosa.
Eliana Godoy, coordenadora do União D’Elas, diz que esses cursos vão muito além da aprendizagem de receitas, que depois serão reproduzidas em casa para familiares e amigos – são uma forma de criar amizades, de pertencimento. A cozinha é capaz de transportar a tempos passados, a memórias, trazer recordações que fazem parte de quem cozinha. Aquece o coração, faz lembrar de quem se é, de onde se veio e para onde se está indo. Cozinhar é oferecer afeto, é preencher a alma, de quem faz e de quem recebe.
Receita
Pavlova Roll
Viviane Aguiar
Ingredientes
- 140 g de claras
- 210 g de açúcar refinado
- 3 g de cremor tártaro
- 10 g de amido de milho
- raspas de laranja ou limão (opcional)
- morangos frescos
- Nata batida
- 300 g de nata gelada
- 100 ml de leite gelado
- 100 g de açúcar
- Merengue Suíço
- 250 g de claras
- 500 g de açúcar
- 5 g de cremor tártaro
Modo de Fazer
Modo de fazer a pavlova:
Misture muito bem o açúcar com as claras. Leve ao fogo em banho-maria, mexendo com fouet, até atingir 80 graus. Leve à batedeira e junte o cremor tártaro. Bata em velocidade média/alta, até formar picos. Reduza a velocidade e junte o amido de milho, misture rapidamente. Unte um retângulo de papel-manteiga com desmoldante ou manteiga e peneire açúcar por cima. Distribua a pavlova, uniformemente, e asse em forno preaquecido, a 160 graus por cerca de 10min. Transfira imediatamente para outro papel-manteiga untado e açucarado (ou polvilhado com farinha de amêndoa). Deixe esfriar.
Modo de fazer a nata batida:
Bata todos os ingredientes em velocidade baixa, até firmar. Cuidado para não bater demais, porque pode virar manteiga.
Modo de fazer o merengue suíço:
Misture bem o açúcar com as claras. Leve ao banho-maria até atingir a temperatura de 65 graus. Leve à batedeira e junte o cremor tártaro, bata até o ponto de suspiro, picos firmes.
Montagem:
Espalhe a nata batida sobre a pavlova fria, deixando 5 cm de borda livre. Distribua os morangos picados. Não exagere na quantidade de recheio, porque pode ficar difícil enrolar. Com a ajuda do papel-manteiga, enrole delicadamente formando o rocambole (roll), deixando a dobra para baixo. Espalhe o merengue suíço nas laterais e na parte de cima do roll. Com um maçarico à distância de 5 cm e em movimentos circulares, flambe o merengue. Decore com morangos inteiros ou picados.
Dicas:
- O cremor tártaro é um secante.
- A maisena (amido de milho) dá elasticidade.
- No merengue suíço, o cremor tártaro pode ser substituído por 15 ml de vinagre de álcool.
Receita
Samosa
Alexandre Sharin
Ingredientes
- A Massa
- 250 g de farinha de trigo
- 1 colher (sopa) de manteiga temperatura ambiente
- 1 colher (chá) de sal
- 125 ml de água
- 1 gema
- 50 ml de cachaça
- Recheio
- 600 g de batata cozida e amassada grosseiramente
- 2 ramos de coentro
- 3 folhas de karipata ou alecrim
- azeite de oliva
- sal
- 1 folha de louro
- 2 colheres (sopa) de curry Taj Mahal
- ½ cebola picada
- 2 dentes de alho assado picados
- 1 pau de canela
- cravo
- 1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picada
- 1 xícara de ervilhas frescas
Modo de Fazer
Modo de fazer a massa:
Misture todos os ingredientes em um bowl ou batedeira. Sove até obter uma massa uniforme. Cubra com plástico e deixe descansar por 40 minutos, antes de abrir em discos de 10 cm.
Modo de fazer o recheio:
Em uma assadeira coloque as batatas, regue com azeite e tempere com sal e pimenta. Coloque folhas de karipata ou alecrim, louro, canela em pau e cravo. Cubra com papel-alumínio e asse no forno a 160 graus, por 15 min. Retire da assadeira e pique em cubos pequenos. Em uma frigideira, refogue cebola, os alhos assados e a pimenta. Acrescente as batatas e as ervilhas e, em seguida, polvilhe o curry. Misture. Ajuste o sal. Finalize com as folhas de coentro picadas.
Montagem:
Abra a massa em discos de 10 cm e corte ao meio. Passe água nas bordas. Enrole nos dedos, formando um cone. Recheie e feche como um triângulo. Frite em óleo quente. Sirva com o Raita.
Dicas
- Karipata é a folha de curry (é opcional)
- O curry Taj Mahal é uma mistura em pó de canela, cardamomo, gengibre, cominho, pimenta preta, pimenta vermelha, cravo cúrcuma, coentro.
- A massa de pastel pronta pode ser usada pra fazer a Samosa.
Receita
Raita de Iogurte
Alexandre Sharin
Ingredientes
- 1 iogurte natural
- azeite de oliva
- 5 sementes de cominho aquecidas
- 1 cebola roxa picada
- 1 tomate picado sem sementes
- 1 pepino japonês sem sementes e sem casca
- 10 g de folhas de coentro
- 10 g de folhas de hortelã
- Pimenta-do-reino
- pimenta dedo-de-moça sem semente picada
- suco de ½ limão siciliano
Modo de Fazer
Modo de fazer o Raita:
Em um bowl, misture o iogurte, azeite de oliva, cominho, cebola em cubinhos (brunoise), tomate picado sem semente, pimenta-do-reino, sal, pimenta dedo-de-moça, pepino em brunoise, folhas de coentro e de hortelã picadas.
Dicas
- O cominho, assim como outras especiarias, deve ser passado por frigideira bem quente e um pinguinho de azeite, para despertar a potência e os aromas.
- Esse molho pode ser servido com outros pratos indianos, sempre com o objetivo de dar refrescância.