
A tradição espanhola é harmonizar tapas com vinho Jerez
Em tempos de altas temperaturas, férias e reuniões com amigos, uma tradição espanhola é muito bem-vinda à mesa: as tapas, pequenas porções de comidinhas, frias ou quentes, servidas como acompanhamento de uma bebida, conhecidas por aqui como petiscos ou aperitivos.
No passado, na Andaluzia, ao pedir uma bebida o cliente recebia uma miniporção gratuita de alguma especialidade da casa. Diferentemente de outras regiões da Espanha e em lugares mais turísticos, as tapas hoje em dia fazem parte de um menu e são pagas por porção. É hábito local que a clientela habitualmente itinerante saboreie de tasca em tasca, antes do almoço ou jantar, bebendo Jerez, vinho branco ou tinto, sidra ou cerveja.
A peregrinação teria tido início porque antigamente cada tasca preparava uma só especialidade, estimulando os clientes a degustarem as criações dos concorrentes. Muitas vezes esse roteiro gastronômico acabava substituindo uma refeição. O perfume do Jerez, bebida típica espanhola, atraía os insetos. Então, os copos eram cobertos com uma pequena tapa (tampa, em português), daí teria vindo o nome.
A origem das tapas é rica de histórias e lendas. Conta uma das lendas espanholas que a primeira tapa teria sido preparada para o Rei Alfonso X, o Sábio ou o Astrólogo (1221-1284), soberano de Castela e Leão, no século 13. Acometido de problemas digestivos, foi aconselhado pelos médicos a passar dias de cama, alimentando-se de pequenas porções de comida, acompanhadas de goles de vinho.
Recuperado e com a missão de resolver os problemas locais de acidentes nas estradas, ordenou que as tavernas não servissem vinho ou cerveja sem o acompanhamento de um aperitivo, evitando assim que os condutores de carruagens se embebedassem. A regra era que os petiscos deveriam vir em um pequeno prato posto sobre o copo e só se deveria beber depois de comer.
Outra versão se refere a Fernando II de Aragão, o Católico (1452 – 1516). O soberano teria solicitado ao taberneiro que cobrisse a sua taça de vinho, já que existiam muitas moscas no local. Atendendo ao pedido do rei, o taberneiro teria trazido um pedaço de embutido sobre uma fatia de pão cobrindo a taça e dito: “Aquí tiene su tapa,majestad”.
Existem, no entanto, outras versões, como a de que as tapas teriam surgido no século 20, na Andaluzia, precisamente em Almería, onde se colocavam fatias de lombo de porco sobre a taça de vinho para que este não perdesse seu sabor e aroma. Ou de que teriam sido criadas na Andaluzia, berço do Jerez. Há quem prefira creditar a origem aos árabes, que ocuparam a região, de 711 a 1492, até serem expulsos pelos Reis Católicos, Isabel de Castela e Fernando II de Aragão. O Império Otomano teria espalhado em seus domínios os mezzés, uma seleção de acepipes tradicionalmente servidos com bebidas à base de anis.
O que importa é que essa tradição espanhola espalhou-se pelo mundo, adotada por bares e botecos. Mas o conceito não ficou restrito a esses locais: pelas mãos do chef espanhol Ferran Adriá, foi içado à alta gastronomia, servido no seu El Bulli, considerado um dos melhores restaurantes do mundo, em menus degustação de até 30 miniporções.

As peculiaridades
Apesar de serem conhecidas como tapas, as pequenas porções têm características diversas. Podendo ser classificadas como tapas, pintxos (pinchos) ou montaditos. As tapas são mais do que um pratinho, é uma forma de comer, uma tradição, um conceito global. Como os huevos rellenos (ovos recheados), papas bravas (batatas com molho picante), tortillas, empanadas ou champiñones rellenos (cogumelos recheados), sempre em pequenas porções. Já os pintxos e montaditos são formas de preparar as tapas. Os pintxos são definidos, pela Academia Real Espanhola, como uma porção de comida consumida como aperitivo, perfurada com um palito, usado para prender um ou mais ingredientes. Em muitos locais na Espanha, o consumo é cobrado de acordo com o número de palitos que restam, vazios, nos pratos.
Já os montaditos se referem ao pão que é utilizado como base para as preparações, como o tradicional pão coberto com tomate ralado, tradicional na Catalunha, ou as tostadas com alho e bacalhau. Aqui, no Brasil, conhecidos como bruschettas, que teriam origem na clássica cozinha italiana. Mas isso já é outra história.
São inúmeras as combinações de ingredientes. Nas zonas costeiras espanholas, é comum servirem calamares fritos (lulas empanadas), assim como os mariscos e as vieiras. Os croquetes são outra tradição no país e podem variar de peixe, carne, batata ou bacalhau. Entre os pintxos, azeitonas marinadas, recheadas ou condimentadas (uma das importantes produções da Espanha), amêndoas, queijos, chorizos, espetinhos de gado, cordeiro ou de legumes em conserva. Sempre regados com excelentes azeites de oliva espanhol.

De acordo com a tradição alguns ingredientes não podem faltar quando o assunto são tapas espanholas
- Alho – É um dos ingredientes principais das tapas. Para o preparo de montaditos, é comum a fatia de pão receber uma finíssima camada de alho esfregada sobre ele, antes de ser dourado no forno ou na frigideira.
- Azeite de oliva – A Espanha é o maior produtor de azeite de oliva do mundo. As tapas, no país, em sua maioria levam azeite de oliva na finalização.
- Azeitonas – Outro produto importante para a economia espanhola. Mais da metade das 50 variedades de azeitonas cultivadas na Espanha vêm da Andaluzia. Podem ser apenas marinadas ou recheadas, servidas como pintxos.
- Batatas – Nas mais diferentes versões, as batatas estão presentes em muitas das tapas espanholas. As papas bravas (com molho picante) ou com aioli (maionese de alho assado) são muito tradicionais.
- Frutas secas – Tâmaras recheadas são herança dos árabes. As amêndoas costumam ser servidas salgadas ou com páprica picante. Os figos secos ou frescos recebem, geralmente, recheios à base de queijos cremosos ou são envoltos em bacon.
- Jamón – O presunto espanhol mais famoso é produzido há mais de 2 mil anos. A qualidade depende do tempo de cura, e é costume servi-lo cru. Os espanhóis produzem também os presuntos cozidos.
- Ovos – Os pratos à base de ovos costumam estar presentes na maioria dos menus de tapas. Entre eles, o mais tradicional é a tortilla de batatas ou espinafre. Mas também se fazem presentes os ovos mexidos, com ou sem chorizo, e os recheados, com ou sem picância.
- Pescados em conserva – Muitas são as versões de pescados em conserva, como anchovas, sardinhas e atum. O pescado conservado em azeite tem um sabor mais delicado. Mas os pescados podem aparecer também frescos, fritos ou assados, em preparos variados.
- Pimentão doce – Elaborado a partir de pimentões vermelhos secos e moídos. O pimentão agrega um sabor defumado suave ou intenso e uma cor vibrante. Conhecido, aqui, como páprica defumada, mas existem versões mais picantes.
- Queijos – São muitos os queijos produzidos na Espanha, mas alguns deles só podem ser obtidos na região de origem. O Manchego, de leite de ovelha, certamente, é o mais famoso deles.
- Tomate – Presente em uma das receitas mais tradicionais da Catalunha: pa amb tomàquet, pan tumaca ou pão com tomate ralado.

Receita
Cogumelos recheados
Ingredientes
- 300 g de cogumelos Paris graúdos
- 3 colheres (sopa) de azeite de oliva
- 2 dentes de alho picados finos
- queijo gorgonzola, provolone ou brie
- sal e pimenta
Modo de Fazer
Limpe os cogumelos com um pano limpo ou um pincel macio. Retire os talos e pique finamente. Aqueça uma frigideira com azeite de oliva e refogue a cebola e o alho, e junte os talos dos cogumelos, mexendo sempre. Tempere com sal e pimenta. Retire do fogo e junte cubinhos do queijo escolhido. Em uma travessa com um fio de azeite, disponha os cogumelos e recheie as cavidades de onde foram retirados os talos. Regue com um pouco mais de azeite e leve ao fogo preaquecido, a 180 graus, até que estejam macios e dourados. Sirva em seguida.

Receita
Pintxo de Azeitonas
Ingredientes
- 220 g de azeitonas verdes recheadas com aliche
- 220 g de azeitonas pretas sem caroço
- 3 colheres (sopa) de azeite de oliva
- 2 colheres (sopa) de vinagre de vinho branco
- 1 dente de alho picado fino
- palitos de dente
Modo de Fazer
Em uma vasilha, coloque as azeitonas e o alho picadinho. Regue com vinagre e azeite de oliva e tempere com sal e pimenta. Deixe marinar por alguns minutos. Sirva em uma tigela pequena, espetadas com palito.
Dica
Essas azeitonas podem também ser servidas espetadas em palito, intercaladas por minicebolas em conserva.

Receita
Montadito de Avocato
Ingredientes
- 6 fatias de baguete tostadas
- 1 dente de alho
- 1 avocato
- suco de limão
- azeite de oliva
- sal
- 6 ovos de codorna
Modo de Fazer
Toste levemente as fatias de baguete. Esfregue o dente de alho em um dos lados da fatia. Retire a polpa do avocato, amasse levemente e tempere com sal, suco de limão e azeite de oliva. Disponha sobre as fatias de pão. Frite os ovos de codorna e disponha sobre o creme de avocato.

Receita
Pintxo de Tâmaras
Ingredientes
- 8 tâmaras
- creme cheese
- nozes picadas
- mel
Modo de Fazer
Abra as tâmaras e retire os caroços. Recheie com creme cheese. Salpique com as nozes picadas. Regue com mel. Espete os palitos e sirva frias.
Dica
O creme cheese pode ser substituído por queijo cremoso, desde que este seja um pouco firme.

Receita
Montadito de Cogumelos
Ingredientes
- 1 baguete em fatias
- 2 xícaras de mix de cogumelos
- ½ cebola picada
- 3 colheres (sopa) de azeite de oliva
- 1 dente de alho
- sal e pimenta
Modo de Fazer
Toste levemente as fatias de baguete. Esfregue o dente de alho em um dos lados da fatia. Reserve. Em uma frigideira, aqueça o azeite, refogue a cebola e junte o mix de cogumelos. Refogue e tempere com sal e pimenta. Disponha sobre as fatias tostadas e sirva quente.
Dica
Se preferir, combine cogumelos Paris com shiitake desidratado, mas reidrate-o antes de refogar.
Para conferir mais sabor ao refogado, junte um pouco de shoyu.

A tradição espanhola é harmonizar tapas com vinho Jerez
Harmonização com Jerez
- Fino – Seco, elegante e fresco. Sua salinidade natural e acidez leve o tornam um par perfeito para os ingredientes mais salgados, como o presunto ibérico, queijos, frutos do mar, peixes assados e fritos.
- Manzanilla – Seco, pálido e matizado harmoniza bem com camarões grelhados, peixes curados ou enlatados, azeitonas, vieiras ao molho de alho.
- Amontillado – Versátil, vai bem com tapas que tenham como ingredientes charcutaria, queijos curados, amêndoas salgadas, grão-de-bico, aspargos e elementos picantes.
- Oloroso – Aromático, seco, redondo e robusto, harmoniza bem com tapas à base de carnes, ensopados, atum grelhado, queijos fortes.
- Palo Cortado – Seco e encorpado, vai bem com tapas que contêm cogumelos, polvo grelhado, croquetes, queijos curados.
- Creme – Leve e naturalmente doce, harmoniza com figos, queijos macios.
- Pedro Ximénez – Naturalmente doce, combina perfeitamente com tâmaras, figos e ingredientes fortemente salgados, como os queijos azuis.

Harmonização com Vinhos
A potência dos vinhos e das tapas deve sempre ser considerada na hora da harmonização.
- A escolha natural são os vinhos espanhóis, como os Tempranillo e Garnacha, que casam bem com a diversidade de sabores das tapas.
- Vinhos brancos frescos, como o Albariño e Verdejo, são opções perfeitas para acompanhar as tapas à base de frutos do mar e peixes.
- Tapas com carnes grelhadas, embutidos e queijos curados harmonizam bem com o tinto Tempranillo, com taninos leves e aromas frutados.
- Para tapas condimentadas e picantes, como as papas bravas, escolha vinhos mais encorpados.
- Já as mais delicadas, como croquetes de jámon, pedem vinhos mais leves e frescos.

Harmonização com Cervejas
Untuosidade, peso e sabor são elementos importantes na hora de escolher a cerveja ideal para cada tipo de tapa.
- As tapas com ingredientes mais gordurosos pedem cervejas mais alcoólicas.
- Ingredientes salgados podem contrastar com a doçura da cerveja.
- A intensidade da cerveja deve ser equivalente à das tapas.
- Cervejas refrescantes acompanham bem tapas salgadas, como azeitonas marinadas.