O vinho brasileiro comemora a conquista de uma nova Indicação Geográfica: a Indicação de Procedência Vinhos de Inverno Sul de Minas. A primeira do Cerrado e a primeira do mundo para vinhos com colheita de inverno. Essa é uma técnica brasileira que surgiu para contornar as dificuldades de amadurecimento das uvas finas nas zonas tropicais brasileiras.
Na zona central do país, o verão é chuvoso, mas o inverno é seco e não tão frio como no Sul. Pesquisadores brasileiros, liderados por Murillo Albuquerque Regina, desenvolveram uma técnica para mudar o ciclo da videira (a dupla poda ou poda invertida) e fazer com que a uva amadureça no inverno, em vez de no verão, como ocorre na forma convencional.
Murillo Regina era, na época, pesquisador da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) e fazia doutorado em Bordeaux, na França. Ele percebeu que as condições de produção de vinhos finos na Europa eram semelhantes às do Inverno no Sul de Minas Gerais, na região da Mantiqueira, onde o café era a principal referência agrícola. Foi lá que surgiu a ideia de mudar o ciclo da videira, para ajustar a colheita de verão (chuvoso) para o inverno (com maior amplitude térmica e pouca chuva).
Na forma convencional, a videira descansa no inverno e, quando chega a primavera, começa a mudar o metabolismo, passa por todo o ciclo de desenvolvimento e amadurece as uvas no verão. Com a nova técnica, é feita a poda convencional (em agosto) na época de descanso da videira e deixa-se começar o ciclo de desenvolvimento. Mas quando chega janeiro e as uvas começam a se desenvolver, é feita uma segunda poda. Com isso, a videira entra em repouso e começa novo ciclo, o que permite o amadurecimento das uvas e a colheita no inverno.
Nesta época de colheita, os dias são bastante ensolarados (até 27 graus), as noites obviamente bem mais frias (cerca de 10 graus) e a amplitude térmica, que é a diferença do dia e da noite, chega a 15 e 17 graus, um cenário ideal para as uvas. Além disso, historicamente, não chove. A chuva é um dos grandes vilões para a uva utilizada para a produção de vinhos finos.
A técnica permitiu que os produtores do Sul de Minas obtenham vinhos de excelente qualidade e que têm recebido prêmios no Brasil e também em concursos internacionais. São vinhos com teor alcoólico sempre acima de 13% e que podem chegar até 15%.
Esse processo, no entanto, é muito caro. Praticamente dobra o custo de mão de obra em vinhedo, além do desafio de enfrentar o risco de possibilidade de chuva, principalmente na época de transição da floração da videira para a frutificação. E ainda pode ocorrer um amadurecimento muito rápido, o que pode resultar em vinhos muito alcoólicos e com pouca acidez.
Região cafeeira, o Sul de Minas, na Serra da Mantiqueira, é famosa pelos queijos, cachaça, doce de leite, café e, agora, pelos vinhos. A viticultura de alta qualidade só foi possível porque empresas e famílias com grande poder aquisitivo que atuam em outros segmentos resolveram apostar na dupla poda e investiram na produção de vinho. Conseguindo um feito que parecia impossível: produzir vinhos finos de qualidade em uma zona tropical. O problema é que, pelo alto custo de produção, são vinhos caros, fazendo com que não sejam competitivos lá fora. Mesmo aqui, no Brasil, os vinhos de colheita de inverno têm preços altos.
Financiaram o projeto as vinícolas Alma Gerais, Almatero, Barbara Eliodora, Davo, Estrada real, J Benassi e Maria Maria.
As regras
Aprovada em 11 de fevereiro deste ano, a Indicação de Procedência Vinhos de Inverno Sul de Minas abrange uma área descontinuada de 4.239,6 km2 e inclui os municípios de São João da Mata, Cordislândia, São Gonçalo de Sapucaí, Três Corações, Três Pontas, Campos Gerais, Boa Esperança, Bom Sucesso, Ibituruna e Ijaci.
Todos os vinhos devem ser elaborados com 100% das uvas produzidas na área geográfica delimitada. Os vinhedos devem ser em regime de dupla poda e a colheita compreendida entre 1º de junho e 21 de setembro. A condução das videiras tem de ser em espaldeira e a produtividade máxima de 10 toneladas/hectare. Os vinhedos precisam estar acima de 800 m de altitude. A IP é para vinhos tranquilos, tintos, brancos e rosés, não inclui espumantes.
As variedades que mais se adaptaram à colheita de inverno e que são permitidas na Indicação de Procedência são as tintas: Syrah, Merlot, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Marselan, Tempranillo, Petit Verdot, Pinot Noir e Grenache. Entre as brancas, Sauvignon Blanc, Viognier, Marsanne e Chardonnay. Vale destacar, no entanto, que as mais expressivas, até o momento, são a Syrah e a Sauvignon Blanc.
A nova Indicação de Procedência é motivo de comemoração para os apreciadores do vinho brasileiro, principalmente pelo fato de o Sul de Minas Gerais ser pioneiro na produção de vinhos finos de colheita de inverno.