Dados da FAO indicam que existem 30 mil
espécies de plantas comestíveis no mundo
Em busca de abrir um leque para novas culturas e mistura de sabores, chefs e cozinheiros têm agregado novos ingredientes a suas receitas: as chamadas PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais). Mas a missão não é nada fácil, uma vez que a maioria das pessoas, por desconhecimento de suas propriedades, as considera “ervas-daninhas” ou “matos”. Também por desconhecimento ou descaso, folhas de raízes e tubérculos não são aproveitados na cozinha. No entanto, é importante dizer que as PANC têm alto valor nutricional, muito sabor e são ricas fontes de vitaminas, antioxidantes, fibras, sais minerais, além do poder medicinal de algumas delas.
Como diz a sigla, são consideradas PANC as plantas que possuem uma ou mais características de uso alimentício, mesmo que não sejam comuns, não sejam corriqueiras nem estejam no dia a dia da grande maioria da população de uma região. Podem, também, ser denominadas PANC plantas que são comuns, mas das quais são feitos usos de apenas uma parte, sem levar em conta outras que também podem ser consumidas.
A maioria delas insiste em nascer por conta própria em diferentes espaços, por isso virou moda um novo olhar sobre o jardim e os canteiros de rua. A nutricionista Neide Rigo, do blog Come-se, costuma reunir grupos em passeios pelo bairro Alto da Lapa, em São Paulo, onde mora, para colher flores e frutos pelo caminho, enquanto explica o que é cada um e como podem ser usados na cozinha.
Com a (re)descoberta do valor dessas plantas, algumas espécies passaram a ser cultivadas. E mais: universidades começaram a dedicar espaços nos cursos de Gastronomia para pesquisas sobre seus usos e valores nutricionais. Estudos sobre essas plantas já existiam, porém pulverizados com diferentes nomenclaturas, como plantas alimentícias alternativas, hortaliças comestíveis.
“Ao valorizar espécies nativas, podemos causar uma revolução gastronômica”, acredita Irany Arteche
Foi em 2008, durante a elaboração da tese de doutorado de Valdely Kinupp, que a nutricionista Irany Arteche sugeriu a criação da sigla, que se consagrou com a publicação do primeiro guia sobre o tema no Brasil, uma parceria entre Valdely Kinupp e Harri Lorenzi, em que estão catalogadas 351 espécies encontradas por aqui, com características e formas de consumo.
Outra prova da importância da difusão do uso desses ingredientes na alimentação foi a realização de um desafio dado aos finalistas do programa Master Chef com essas espécies, na época, totalmente desconhecidos por eles.
Muitas dessas plantas podem ser consumidas in natura, utilizadas na forma de sucos ou saladas. Outras podem ser ingeridas cozidas ou refogadas, e existem, ainda, aquelas que obrigatoriamente devem passar por cozimento. A obrigatoriedade de cozimento deve-se ao fato da necessidade de eliminar substâncias que podem causar problemas à saúde. Outras, porém, são cozidas apenas para se tornarem mais macias.
Irany Arteche, atualmente, tem preferido utilizar a sigla PANC como Pensamento Alimentar Não Convencional, uma defesa por uma maneira diferente de ver o processo alimentar. A nutricionista tem sido consultora de chefs e cozinheiros que querem buscar a diversificação da alimentação. “Ao valorizar espécies nativas, podemos causar uma revolução gastronômica”, acredita.
São muitas mãos e mentes trabalhando, por diferentes caminhos, para fazer vingar essa revolucionária forma de pensamento. O chef e pesquisador mineiro Michel Abras, por exemplo, optou por pegar a memória afetiva de um alimento que seus clientes gostam e acrescentar as PANC como meio de torná-las conhecidas. O resultado foram pães de queijo, tradição da cozinha mineira, em novos sabores e cores. Verdes (com taioba), amarelos (com cúrcuma) e rosas (com hibisco).
É importante ressaltar, no entanto, que o uso das PANC em restaurantes não surgiu por aqui, e sim na Europa. Fizeram sucesso no Noma, na Dinamarca, considerado por muito tempo o melhor restaurante do mundo, onde eram servidas em vários preparos, mas que se destacam em um mix de folhas, em vasos levados à mesa, para serem consumidas como salada. Da mesma forma que o premiadíssimo chef italiano Massimo Bottura, na Osteria Francescana, em Modena, combinou brotos de mostarda, pontas das folhas crespas da cenoura selvagem, trevo, azedinha e botões de jambu.
Em 2019, o chef gaúcho marcos Livi, com empreendimentos em São Paulo e São Francisco de Paula e com a consultoria de Irany Arteche, lançou o projeto A Vida é PANC, incluindo esses ingredientes em diferentes pratos das casas do grupo. Surgiram daí a pizza de refogado de mangará (umbigo ou coração da bananeira), os snacks de polvilho azedo com açaí juçara, o vinagrete de PANC para saladas, o purê de banana verde com açaí juçara, entre outros.
O trabalho de difusão do uso das PANC está apenas dando os primeiros passos. Falta, ainda, que essas plantas não convencionais cheguem mais facilmente as mesas e estejam disponíveis não apenas em pequenas feiras. O mais importante é que as pessoas as provem para então incluí-las em sua alimentação cotidiana. Um jantar realizado no restaurante Solos, em Porto Alegre, preparado por Irany Arteche, mostrou quão saborosos podem ser os pratos que as tenham como ingredientes principais.
A polpa do açaí Juçara é um dos ingredientes
usados na receita dos Dadinhos de Tapioca
Na Cozinha
Chefs e cozinheiros, sempre em busca de novos sabores para expandir as possibilidades na hora de criar suas receitas, passaram a valorizar as PANC como ingredientes, para maioria dos clientes, inusitados.
- Alex Atala (D.O.M.) – Arroz de galinha com barriga de porco e taioba
- Ari Kaspers – Truta defumada com lírio-do-brejo e Ravioli com bnan da terra e taioba, com pirão de queijo
- Bela Gil – Bolinho de Taioba
- Carlos Kristensen (Hashi e Um Bar&Cozinha) – Chips de batata-doce com coalhada e mostarda de butiá e Salsichão de búfalo com chimichurri de PANC
- Helena Rizzo (Maní) – Sorbet de flores de lírio-do-brejo
- Henrique Nunes (Jardim Botânico Plantarum e Naiah) – Sushi de urtiga e Risoto de Bertalha e Espaguete de Vitória-régia, com os pecíolos (cabinhos das folhas) em lugar do macarrão
- Ivan Raston (Tuju) – Brusqueta de língua com beldroega e Ancho de Wagyu, beterraba defumada e folhas de amaranto roxo
- Marcelo Schambeck (Capincho) – Lula grelhada, pesto de azedinha, uva, semente de abóbora e batata-doce
- Marcos Livi (Hampel) – Cordeiro com PANC, funcho e trevos em folha de bananeira
- Paola Carosella – Empanadas de queijo, ovo e taioba
- Roberta Sudbrack (Sud) – Vermelho pochê com vinagrete de ora-pro-nóbis, cúrcuma, folhas de nabo e de cenoura
Alguns usos
- Açaí juçara – Substitui parte do líquido em receitas como risoto e polenta. Também confere cor.
- Azedinha – Oferece uma deliciosa acidez para saladas, sucos e molhos. Combina muito como ingrediente de ovo mexido.
- Bertalha – Conhecida como espinafre indiano, a verdura verde-escura possui folhas ricas em nutrientes, como cálcio, ferro e vitaminas A, B, B2,B5 e C, que podem ser refogadas e utilizadas no preparo de tortas, sopas e saladas.
- Beldroega – Rica em Ômega 3, vitamina C e proteínas, é consumida em saladas, sopas, molhos e para engrossar caldos.
- Capuchinha – Também conhecidas como Flor de Chagas. Comem-se as flores e folhas, que possuem grande quantidade de vitamina C. De sabor picante semelhante ao do agrião.
- Coração de bananeira – Também conhecida como mangará, em conserva, é semelhante à alcachofra. É versátil, usado em substituição da berinjela na Caponata.
- Ora-pro-Nóbis – Com alto teor de proteína, as folhas e caule podem ser consumidos em saladas, refogados, omeletes, massas e sucos. É tradicional em Minas Gerais, na galinhada com arroz. Substitui a couve no caldo verde ou no feijão tropeiro.
- Peixinho da Horta – Fonte de potássio, cálcio, ferro e fibras. Empanado ou como tempurá, é uma sugestão de petisco.
- Ruibarbo – Tem sabor ácido e levemente adocicado. Na cozinha, se usa apenas o caule da planta, sendo as folhas tóxicas para os seres humanos.
- Taiá – Rizoma da Taioba, tem sabor parecido ao do inhame. Usa-se assado, cozido, em forma de purê ou frito. Por possui muito amido, é ótimo espessante para caldos e sopas.
- Taioba – Rica em fibras, a folha pode ser utilizada no preparo de farofa de banana, bolinhos fritos e charutinhos de arroz e carne moída.
- Trevo – Cresce facilmente em áreas abertas e ensolaradas. As folhas são consumidas cruas ou cozidas, dando sabor ácido e refrescante aos pratos.
- Vinagreira – Também conhecida como hibisco, caruru-azedo e quiabo-azedo. Consomem-se suas folhas e capuchos em saladas – cruas ou refogadas – e compotas e geleias.
- Yacon – Batata que traz textura, tem sabor um pouco adocicado. Ideal para ser adicionada em pedaços a doces em calda e sopas de capeletti.
Receita
Dadinhos de Tapioca com Polpa de Açaí Juçara
Por Irany Arteche
Ingredientes
- 250 ml de polpa de açaí juçara
- 250 ml de água
- 250 g de tapioca granulada
- 250 g de queijo coalho ralado grosso
- 5 dentes de alho cozidos no vapor
- sal a gosto
- Iogurte Dessorado Caseiro
- 1 litro de leite integral pasteurizado
- 1 pote de iogurte natural integral
- sal a gosto
- pimenta-do-reino a gosto
- suco de limão
- raspas de casca de limão
- Geleia de Pimenta Fermentada
- 10 pimentas dedo-de-moça
- 5 maçãs sem casca
- sal a gosto
- açúcar a gosto
- 3 colheres (sopa) de vinagre de caldo de cana
Modo de Fazer
Dadinhos: Ferva a água e a polpa do açaí com o alho esmagado e adicione a tapioca misturada ao queijo. Coloque sal a gosto e mexa vigorosamente por alguns instantes até os ingredientes se unirem. Despeje em uma forma adequada para o corte dos dadinhos. Deixe descansando na geladeira até formar bem. Frite os dadinhos em óleo quente.
Iogurte: Aqueça o leite até a fervura e esfrie até 48 a 50 graus. Adicione o iogurte em temperatura ambiente. Misture bem e deixe descansando em pote fechado da noite para o dia., em cima da geladeira ou dentro do forno, protegido do frio. Coloque para gelar por no mínimo 2h, para firmar bem, e depois coe e dessore em voal por 24h a 48h. Adicione raspas de limão, sal, pimenta-do-reino e suco de limão, até atingir a acidez desejada.
Pimenta: retire os cabos e corte as pimentas ao meio. Caso queira menos picante, retire as sementes. Cubra com água e adicione sal na proporção de 2% do volume líquido total. Coloque em um vidro e cubra de modo a impedir que as pimentas entrem em contato com o ar. (A sugestão é usar saquinhos com grãos dentro, como tampa.) Deixe fermentando por 48h em ambiente protegido. Serão formadas bolhas de ar quando a fermentação ocorrer, com odor agradável. Liquidifique as pimentas com o líquido, o vinagre de caldo de cana e as maçãs. Leve ao fogo, adicionando açúcar a gosto, cozinhando até o ponto de geleia.
Receita
Panqueca de Levain com Bochecha Bovina
Por Irany Arteche
Ingredientes
- Levain ou Fermento Natural ou Fermento Selvagem
- Linhaça a gosto
- Sal a gosto
- Bochecha Bovina
- Bochecha bovina
- Marinada com temperos a gosto
- Molho de Alho Negro
- Iogurte dessorado
- Molho de alho negro com pimenta
- Vinagrete de Mangará
- Tomate verde
- Folhas de alho-poró
- Salsa
- Vinagre de caldo de cana
- Azeite de oliva
- Crocante de Mangará
- Brácteas externas de mangará aferventadas
- Farinha de trigo
- Fécula de mandioca ou amido de milho
- Óleo para fritar
Modo de Fazer
Panqueca: Deixe o levain na consistência de massa de bolinho de chuva, com linhaça e sal a gosto. Despeje em frigideira ou panquequeira antiaderente 1 ou 2 colheres (sopa) de levain, espalhando bem. Cozinhe até soltar do fundo da panela. Vire e cozinhe o outro lado até o ponto desejado. As panquecas devem ficar finas, levemente crocantes e com sabor fermentado suave.
Bochecha: Deixe as bochechas na marinada, de um dia para o outro. Aqueça um fio de óleo e sele as bochechas na panela de pressão e adicione o líquido da marinada. Feche a panela e cozinhe na pressão por 20min. Reserve.
Molho: Misture o iogurte dessorado com o molho de alho negro.
Vinagrete: Misture 2 porções de tomate verde picado, 1 porção de folhas de alho-poró e 1 porção de salsa picada. Tempere com o vinagre de caldo de cana, sal e um fio de azeite de oliva.
Crocante: fatie finamente as brácteas aferventadas, retire o excesso da umidade e empane na mistura de farinhas na proporção de 1;1 temperada a gosto. Frite em óleo quente para o resultado crocante.
Montagem: Em um prato, disponha ½ ou ¼ de panqueca, molho de alho negro, fatias de bochecha, vinagrete e finalize com o mangará crocante.
Receita
Mix de Arroz com Creme de Castanha de Caju e Batata Yacon
Por Irany Arteche
Ingredientes
- Mix de arroz negro, vermelho e branco integral
- Óleo de girassol
- Alho esmagado
- Sal
- Creme de Castanha
- 100 g de castanha-de-caju
- 150 g de inhame cozido
- 3 colheres (sopa) de vinagre de caldo de cana
- Temperos a gosto
- Batata Yacon
- Batata yacon em cubos
- Alho-poró
- Azeite e/ou manteiga
- Sal a gosto
- Pimenta-do-reino a gosto
- Sementes Tostadas
- 100 g de sementes cruas e descascadas de abóbora
- 1 colher (sopa) de água
- ½ colher (sopa) de vinagre de caldo de cana
- 1 colher (sopa) de açúcar
- sal a gosto
- Temperos desidratados a gosto
Modo de Fazer
Arroz: Frite o arroz com o alho, acrescente a água fervente na proporção de 1:3 e sal. Deixe levantar a fervura e desligue. Aguarde 15min e volte ao fogo. Esse processo diminuirá o tempo de fervura.
Creme: Coloque as castanhas-de-caju em água, de véspera, até atingir o volume total de 400 ml. Troque a água uma vez nas primeiras horas. No dia seguinte, liquidifique as castanhas com o líquido e acrescente o inhame cozido, até formar um creme bem liso Acrescente a vinagrete de caldo de cana, o sal, a pimenta e outro tempero de preferência.
Batata: Descasque e corte as batatas em cubos de 1cm. Fatie finamente o talo de alho-poró. Podem ser usadas as folhas também. Refogue o alho-poró no azeite, sal e acrescente os cubos de batata yacon e água, aos poucos, até atingir o ponto de cozimento desejado. Tempere com sal e pimenta e os temperos de preferência. (Cúrcuma em pó fica muito bem.)
Sementes: Em uma frigideira, coloque as sementes de abóbora, a água, o vinagre de caldo de cana e sal a gosto. Deixe secar, mexendo constantemente. Após secar, salpique 1 colher (sopa) rasa de açúcar, deixe caramelizar, cuidando para não queimar.
Montagem: Em um prato, distribua o creme de castanha-de-caju na metade do fundo. Disponha o mix de arroz mais ao centro e, ao lado, os cubos de batata yacon. Salpique as sementes de abóbora e acrescente algumas folhas como azedinha, mostarda peruana ou agrião roxo.
Receita
Pudim de Claras com Creme Inglês de Butiá
Por Irany Arteche
Ingredientes
- Claras de 10 ovos
- 360 g de açúcar
- Açúcar para caramelizar a forma
- Creme de Polpa de Butiá
- 600 ml de leite integral
- 6 gemas
- 2 colheres (sopa) de fécula de araruta
- 200 ml de polpa de butiá
- 20 g de açúcar
- Crocante de Castanha de Pequi
- 200 g de açúcar
- 70 g de castanha de pequi
Modo de Fazer
Pudim: Amorne as claras com o açúcar até dissolvê-lo. Despeje em forma caramelizada e cozinhe, em banho-maria, até quase dobrar de volume.
Creme: Leve para cozinhar o leite, as gemas, a fécula de araruta e 100 g de açúcar, até dar o ponto de creme. Reserve. Leve ao fogo a polpa de butiá com 20 g de açúcar até ferver. Reserve. Quando ambos estiverem frios, misture delicadamente.
Crocante: Caramelize o açúcar e acrescente as castanhas. Coloque para esfriar em superfície antiaderente. Moa no liquidificador ou pique na faca até a textura adequada para salpicar.
Montagem: Disponha uma fatia de pudim sobre o creme. Salpique o crocante por cima.