Aos 28 anos, a arquiteta e urbanista Aline Fernandes acaba de ganhar um apelido que a enche de satisfação. Ela e duas amigas se transformaram nas Meninas Superpoderosas, aos olhos dos alunos e alunas da turma 118 de uma das unidades da Rede Marista em Porto Alegre. Não foi como arquiteta e urbanista que Aline visitou o colégio localizado no bairro Ipanema, no início de agosto. Mas como uma das integrantes do time de 28 voluntários do Dog da Vez (@dogdavez), do qual participa desde outubro do ano passado. Criado em 2016, o projeto, com sede na Capital, já encaminhou para a adoção cerca de 320 animais, entre gatos e cães, retirados das ruas ou dos maus-tratos.
– Os voluntários fazem toda a diferença no projeto. Seja transportando os animais para consultas ou eventos, entrando em contato com empresas para conseguir parcerias, participar de eventos, vendendo nossos produtos, ajudando no atendimento das redes sociais…. Sem essa galera, não faríamos nem a metade do que fazemos hoje e, possivelmente, não teríamos o tamanho e o alcance que nós temos – reconhece Karine Klaine, uma das fundadoras do projeto.
A arquiteta Aline é normalmente recrutada para transportes e apoio nas feiras e eventos. No início de agosto, acabou na sala de aula do colégio Marista, desenvolvendo atividades lúdicas com as crianças do 1º ano do Ensino Fundamental por convite de uma das professoras. Aline e as duas companheiras de voluntariado capricharam nos recursos didáticos, e o resultado foi muito além da expectativa. Elas usaram material ilustrado e a história real de um dos resgatados pelo projeto para fazer com que as crianças refletissem sobre o que seria necessário para um animal ser feliz e sobre como é a vida dos abandonados.
– Foi uma experiência incrível. As crianças se envolveram muito e foi bem divertido. Nos apelidaram de Meninas Superpoderosas, porque estávamos em três e eles entenderam que nós salvamos animais – comenta Aline.
– Agora, vamos voltar à escola, porque a mesma turma está envolvida com a arrecadação de ração para nos doar – conta.
Quem vê de fora a proteção animal não imagina a quantidade de tarefas e demandas operacionais e logísticas, bem como o alto nível de exigência física e emocional. O resgate do animal é só o começo. Lá no final, na outra ponta do processo todo, está a adoção responsável. É um longo caminho, mas chegar até o fim precisa ser o objetivo de qualquer projeto, protetor ou ONG séria. Com o surgimento das redes sociais, ONGs, associações e projetos como o Dog da Vez têm a oportunidade de mostrar com bastante transparência todo esse longo processo – e com isso angariar simpatizantes.
Para a voluntária Aline,
da ONG Dog da Vez, o resgate
dos animais é só o começo
Bom conteúdo nas redes sociais são meio caminho andado para fomentar adoções. A advogada e síndica profissional Agnes Ayub, 30 anos, chegou ao Projeto Anjos de Patas justamente por aí. Ela alimenta e administra o Instagram e o Facebook da ONG, situada em Viamão. Seu trabalho voluntário começou em 2018 e fez a maior diferença. A partir de uma foto bacana e de um conhecimento básico sobre o bichinho, eu tento passar o que ele estaria dizendo se pudesse falar – explica ela. Após me decepcionar com a ONG onde atuava, comecei a pesquisar outras e vi que o projeto parecia muito bacana, mas só usava Facebook, então, me ofereci para o Instagram. Quando assumi, tinha uns 600 seguidores e nunca era ativado – relembra. Um ano depois, o IG do projeto saltou para mais de 16 mil seguidores e atualmente a página @projeto.anjosdepatas conta com mais de 36 mil simpatizantes. A ONG dá assistência a quase 300 animais atualmente. Agnes se organiza para dar conta de suas responsabilidades particulares e as da ONG todos os dias, a qualquer hora. É dela a maioria das fotos que divulgam e contam as histórias dos animais.
– Eu sei que os textos e as fotos conquistam muitas famílias, por isso não me importo de passar o dia fazendo e planejando cada detalhe sobre o que será divulgado – explica a advogada. – Saber que o animal foi adotado, acompanhar a adoção e receber o feedback das famílias é incrível! É a coisa que eu mais gosto de fazer na vida. Às vezes cansa, sim, mas eu sei que faço diferença para a ONG e para os animais.
Ser voluntária no Projeto Anjos de Patas
é uma das maiores alegrias
da advogada Agnes Ayub
A fotografia também é uma das áreas pelas quais a empresária Suzana Hartz, 54 anos, encaixou seu voluntariado no projeto Bendito Bicho (@benditobichopoa), que existe há seis anos na Capital. Depois de conhecer o projeto pelo Bendito Livro, uma publicação de 2019 que contava a história de animais resgatados, a empresária se encantou. Veio a pandemia e, com mais tempo livre, passei a contribuir com meu trabalho, o design. Aos poucos fui me envolvendo com outras áreas, participando dos eventos, das saídas fotográficas e transporte de cães para os LTs (lares temporários). Sou a designer responsável pelo projeto gráfico dos dois últimos calendários do projeto – explica. A Bendito Bicho já se envolveu com a adoção de mais de 1 mil animais. Segundo Márcia Messa, uma das fundadoras do projeto, a presença dos voluntários é essencial. Ela destaca, porém, que é preciso lidar com diferentes níveis de envolvimento. É uma característica do comportamento voluntário, em qualquer área, a oscilação na participação.
– Ninguém é capaz de mudar o mundo sozinho. Precisamos de pessoas que olhem para o mesmo horizonte, que compartilhem da mesma “incomodação” para termos mais força para seguir – pontua. No ano passado, a empresária Suzana ampliou suas ações voluntárias no projeto ao abrir a casa para ser lar temporário de um vira-lata resgatado. Resultado: acabou adotando o peludo.
– Com ele, aprendi ainda mais sobre gratidão e amor incondicional – destaca. – Me envolver com a causa me fez perceber a necessidade desse olhar para o abandono e os maus-tratos. Há muita gente boa dedicando tudo o que pode por eles. Afinal, todo cão ou gato é um ser senciente.
Resgate, cuidados diários, higiene, alimentação, atendimento médico, transporte, organização de eventos, divulgação, redes sociais, fotografia, conversa com os interessados em adotar… Não faltam tarefas no mundo da proteção animal, e voluntários comprometidos são bem-vindos em cada uma delas.
A empresária Suzana Hartz atua
no projeto Bendito Bicho
nas áreas de fotografia e design
Há ainda um tipo de voluntário que, numa escala de atuação menor e contando com uma rede de amigos e parceiros que se forma aos poucos, é independente. Atua de forma autônoma, sem se ligar a nenhuma ONG, projeto ou associação. É o caso da jornalista Adriana Schnell, 50 anos, que desde 2016 se envolve com o resgate ou monitoramento de gatos, alimenta felinos em colônias, acolhe fêmeas prenhas, para posterior castração e encaminhamento dos filhotes para adoção.
Quando conversou com nossa reportagem, estava às voltas com uma gatinha acolhida prestes a parir. Os quatro filhotes nasceram em julho, três semanas depois de ela tirar a fêmea das ruas. Todos são pretinhos, um tipo de gato que tende a sofrer mais com o descaso, os maus-tratos e a indiferença, acrescenta a jornalista. Adriana perdeu a conta de quantos casos assim já abraçou. Nunca imaginou que se envolveria por tanto tempo, mas não pensa em parar.
– Tenho uma visão bem prática: temos de fazer aquilo que está ao alcance, mas fazer. Dificilmente vou delegar para alguém o que posso fazer imediatamente. Mas tenho cuidado muito grande em abraçar somente aquilo que eu realmente possa fazer em busca de solução – pondera. – O maior e principal movimento da proteção animal é esterilizar para impedir a reprodução desenfreada.
A jornalista atua como cat sitter, e esse trabalho acaba dando visibilidade para a causa na qual está engajada. Adriana apoia o trabalho de outras protetoras, em ações de castração ou campanhas de adoção.
– Às vezes, a gente lida com gatos ferais, que não se adaptam no ambiente doméstico. Então, tem muitos que resgatamos, tratamos, castramos e devolvemos para aquela colônia, que passa a ter uma monitoração permanente. Se surge algum problema com os gatos, se resgata, se trata – explica Adriana.
A dura realidade das ruas é a escolha voluntária da estudante de veterinária Gabriela Ceresér Kassick, 19 anos. Há quatro anos ela pratica algum tipo de trabalho voltado à causa animal: já foi voluntária no projeto Patas Dadas (@patasdadas), depois criou com colegas de escola o Tem um Doguinho no Pátio (@temumdoguinhonopatio) e desde fevereiro deste ano integra o projeto Vets de Rua (@vetsderua.poa), que é uma das vias de atuação da ONG Médicos do Mundo. A organização leva serviços de saúde para a população em situação de rua e vulnerabilidade social, bem como para os seus animais. A filial de Porto Alegre soma 20 veterinários formados, quatro auxiliares/estudantes e 10 estudantes.
– Desde outubro de 2021, atendemos cerca de 300 animais – afirma Camila Timm Wood, coordenadora geral da Médicos do Mundo POA.
Gabriela já participou de sete ações como auxiliar de veterinário, recolhendo informações sobre a rotina, os hábitos e o histórico do animal, auxiliando na contenção, aplicação de vacinas/medicações e outros procedimentos que o veterinário avalie como necessários. A estudante também ajuda na administração das redes sociais do projeto.
– É muito comum ver pessoas em situação de rua na companhia de pets. Sei que esse vínculo é muito importante, é uma fonte de segurança, afeto e beneficia até a saúde mental. Muitos, por mais que amem seus bichinhos, não têm condições de dar os cuidados necessários. Então, quando descobri que eu podia fazer parte desse projeto, de levar esses cuidados, não pensei duas vezes. É uma causa que vai muito além da animal, abrangendo a saúde pública em geral – explica.
A ações na rua duram em média cinco horas e já oportunizaram experiências que fazem Gabriela ter certeza da decisão de ajudar voluntariamente.
– Quando os tutores chegam com os animais, e a gente consegue ver o quanto eles se importam e zelam por eles, isso faz tudo valer a pena. E a gratidão e a felicidade deles ao verem seus bichinhos recebendo os cuidados também é muito recompensador.
Voluntárias em ação:
a jornalista Adriana Schnell
e a veterinária Gabriela Kassick
- Circula pela internet a informação de que, no Brasil, há cerca de 30 milhões de animais abandonados, dos quais 10 milhões são gatos e 20 milhões, cães. A rigor, é uma estatística difícil de comprovar, mas ninguém pode negar que o número de animais soltos nas ruas de cidades brasileiras é um problema.
- Na ausência de ações públicas efetivas para o controle dessa população errante, e entendendo que o sofrimento desses animais na rua não pode continuar, já são muitas as iniciativas de cidadãos que se organizam para o resgate e a castração. Mas acredite: todos, sem exceção, já trabalham no limite de suas possibilidades. Sem o envolvimento de todos nós, seja em ações diretas, seja conscientizando contra o abandono, essa luta nunca terá fim.
- O trabalho voluntário sustenta muitas dessas iniciativas. A causa da proteção animal requer muita seriedade e comprometimento – porque é um tema que facilmente comove as pessoas. Para participar como voluntário em ONGs e projetos, certifique-se dessa seriedade. Uma dica importante é conversar com outros voluntários.
- Tenha em mente que acompanhar de perto a realidade dos animais que vivem nas ruas pode ser bem desgastante emocionalmente. Mas há diversas outras formas de ajudar, que não necessariamente expõem o voluntário a situações extremas de dor ou sofrimento.
- Em qualquer causa, o trabalho voluntário traz benefícios como: desperta a empatia, muda a visão que se tem do mundo e das pessoas, promove sensação de bem-estar, pode ser usado para enriquecer currículos, contribui para que você compartilhe (e treine) suas habilidades ou conhecimentos, além de aumentar o círculo de amizades com pessoas que buscam o mesmo ideal.