Alguns lugares têm nomes cuja sonoridade já nos remete a imagens emblemáticas. Galápagos é um deles. O simples fato de mencionar esse arquipélago, isolado no meio do Pacífico, me traz à mente as figuras de tartarugas gigantes e iguanas com aparência jurássica. Há muito tempo ansiava por conhecer o Equador e a vida animal dessas ilhas que instigaram Darwin a conceber a teoria da evolução das espécies. Em novembro 2021, assim que o país liberou as restrições de visitação impostas pela pandemia da Covid-19, embarquei a Quito e por dez dias percorri o país – iniciando pela capital e terminando por Guayaquil, o centro econômico da nação, incluindo uma semana navegando por entre as renomadas ilhas.
QUITO
O Equador, que cruza o paralelo que lhe dá o nome, é dividido em três regiões – a costeira, junto ao Pacífico, a andina, ao longo da cordilheira, e as florestas da Amazônia. Começamos pelo legado colonial espanhol no casco antigo de Quito, um dos maiores e mais bem preservados das Américas. Adorei mergulhar em sua história ao percorrer suas ruelas de pedra e casario com lembranças centenárias. Nos seus edifícios palacianos o registro material do conquistador espanhol, que no século XVI construiu sobre a antiga capital inca a sede de um novo império. Na imponência de suas igrejas e mosteiros, a memória da cristianização dos povos pré-colombianos, enquanto as feições nas praças e calçadas identificam os traços indígena e mestiço que compõem 90% da população do país. O que inicialmente me instigou – o centro urbano e arquitetônico espanhol e a diversidade étnica local – por fim me perturbou.
Fiquei com a sensação de uma certa contradição entre a imponência das construções espanholas e o povo indígena local, como se aquele cenário não lhes pertencesse. Acentuado com a arquitetura monumental do colonizador por um lado e a sistemática perda identitária dos povos originários do outro. Apesar desse desconforto cultural, as lentes enquadravam um fotogênico cenário de praças e construções de época que renderam a Quito o reconhecimento pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade. Um registro do mundo colonial e cristão do século XVII nas fachadas barrocas, e no interior a arte sacra das pinturas e esculturas. O altar da Igreja da Companhia de Jesus, com 15 toneladas de ouro, é imponente, já o pátio interno do mosteiro de São Francisco, com seus arcos e palmeiras, acolhedor.
As abóbadas da catedral e as torres da basílica neogótica compõem a cena, além do palácio governamental e antigas mansões convertidas em charmosos hotéis-boutique. O centro histórico de Quito, por tudo isso, nos conduz por uma viagem no tempo – colonial e barroco. Voltarei ao Equador para mergulhar mais na cultural tradicional indígena, tanto do altiplano andino como da Amazônia que compartilhamos.
As iguanas e as tartarugas são
os animais-símbolo de Galápagos
GALÁPAGOS
Voamos de Quito à ilha de San Cristóbal, onde fica o porto Baquerizo Moreno, capital administrativa do arquipélago composto por 20 ilhas maiores e centenas de ilhotas, a 1.000 km da costa do Equador. Essas ilhas de origem vulcânica compõem uma superfície de 7.882 km2 dispersas em uma área de 50.000 km2 no meio do Oceano Pacífico. A população de 45 mil pessoas, que vive do turismo, pesca e agropecuária, habita apenas quatro dessas ilhas, sendo 97% de todo arquipélago um enorme parque nacional. O Silversea Origin foi nossa confortável casa pelos próximos oito dias. Inaugurado em junho de 2021, é o mais luxuoso navio de cruzeiro de Galápagos, onde fomos os primeiros brasileiros a conferir seus excelentes serviços para apenas 100 hóspedes. Já havíamos experienciado na Antártica a ótima combinação de “expedição de natureza” com atendimento diferenciado e personalizado do Silversea. Novamente a excelente gastronomia era suplantada apenas pela qualidade dos guias, biólogos e ambientalistas, que nos apresentavam o mágico mundo natural de Galápagos.
Na Ilha Genovesa, a mais setentrional do arquipélago, fizemos uma trilha por entre piqueros de pés vermelhos e piqueros de Nazca, aves de porte médio que mergulham nas águas do Pacífico em busca de alimento. Em North Seymour foi a vez dos piqueros de pata azul e fragatas de papo vermelho – sedutoras características cromáticas para o acasalamento. No ambiente adverso e árido de Galápagos, essas capacidades desenvolvidas, ao longo dos séculos, para perpetuação da espécie são parte do processo de seleção natural observado por Darwin que resultou em sua tese da origem das espécies. Em sua visita em 1835, a bordo do HMS Beagle, o naturalista britânico passou cinco semanas observando a peculiar vida animal das ilhas, o que o levou a conceber sua “teoria da evolução”.
Os animais-símbolo de Galápagos, tanto tartarugas como iguanas, são bons exemplos de diferenciação para se adaptar, isoladas, em Galápagos. As 11 espécies de tartarugas terrestres encontradas no arquipélago teriam ancestrais comuns e foram desenvolvendo características específicas de acordo com o ambiente de cada ilha. Adquiriram o tamanho atual, e com o isso o nome de tartarugas gigantes, pela inexistência de predador natural. Já parte das iguanas, não conseguindo sobreviver somente na terra, desenvolveu capacidades especiais para se alimentar nas águas, tornando-se as únicas iguanas marinhas do planeta.
Galápagos, que foi descoberta por desvio de rota, entre o Panama e Peru, em 1535, foi a base eventual de piratas e baleeiros pelos três séculos seguintes. Em 1835 o Equador, recém independente, declarou sua soberania sobre as ilhas, que pelo século seguinte funcionaram como colônia penal. Declarado santuário nacional em 1934 e parque nacional em 1959, é hoje uma província com status e leis especiais de proteção ao meio ambiente.
Silversea Origin é o mais luxuoso
navio de cruzeiro de Galápagos
Gostei muito da variação de experiências junto à natureza promovida pelo SilverSea, intercalando trilhas para observação de aves e animais terrestres, com caiaque e mergulho para conferir os marinhos. Todo dia fazíamos saídas em botes infláveis, costeando manguezais e rochedos, com os biólogos nos ensinando sobre habitat e comportamento animal. Em uma dessas saídas, arraias douradas e filhotes de tubarão nos acompanharam, em outra, pinguins, e o mais legal foi uma península rochosa “multicomunitária” compartilhada por leões e iguanas marinhas, além de pinguins e comoroes. Já na ilha Espanhola a comunidade animal entrou em acordo com areias tomadas por leões marinhos e as rochas por iguanas. Nas terras altas, os albatrozes mirins eram alimentados e preparados para o voo inaugural lançando-se do penhasco rochoso, com as ondas se chocando lá embaixo. Um show completo da natureza.
Em nossas expedições de caiaque eventualmente nos deparávamos com a cabeça de iguanas e tartarugas marinhas deslizando por sobre as águas. Ao nos aproximarmos dos rochedos, éramos premiados com grupos de leões-marinhos repousando ao sol. Em uma baía, rasa e rochosa, um bando de filhotes ficou saltando entre caiaques – cenário de National Geographic. Nos snorkelings diários, nadando entre cardumes multicoloridos, mergulhei com tartarugas e fiquei cara a cara com um leão-marinho que veio conferir o novo “vizinho”.
As iguanas terrestres com suas feições pré-históricas encontramos na ilha Santa Fé. Já as tartarugas terrestres pudemos observar, em seu lento ritmo, nas colinas da ilha Santa Cruz. No centro de criação de tartarugas David Rodrigues, na ilha de San Cristobal, foi transferida a espécie local ameaçada de extinção, onde pudemos conferir de perto essas imensas criaturas que atingem mais de 200 kg e vivem 150 anos.
O último dia foi o mais prazeroso, passamos a tarde na praia de Cerro Brujo, na ilha de San Cristobal, dividindo a praia com preguiçosos leões-marinhos, estirados ao sol em duplas, trios e mesmo grupo maiores. Os filhotes mamando, os jovens indo e voltando da praia, e machos grunhindo em alto e bom tom que eram os senhores do campinho. Já na água, pelicanos mergulhavam em busca de peixe, e no ar fragatas voavam conferindo o terreno. Toda a magia do mundo animal “in loco”. Uma loucura!!
GUAYAQUIL
Guayaquil seria apenas a parada necessária para ter o resultado do PCR para o retorno ao Brasil. Pouco sabia sobre a cidade, além de ser o porto mais importante e a 2ª maior cidade do país. Haviam nos indicado visitar “Las Penas” – um conjunto de casas de madeira transformadas em galerias de arte e cafés que faz parte do projeto Malecon 2000, de revitalização da degradada área junto ao rio que corta a cidade. Pegamos um táxi até a Plaza Pilsener, com suas edificações contemporâneas, passando pelo casario tradicional de “Las Penas”, contornando o Cerro Santa Ana com suas coloridas casas populares. A ampla passarela junto ao rio, que se estende por 2,5 km, se alarga para receber o elegante Museu Arqueológico e de Arte Contemporânea, onde mergulhamos no acervo pré-histórico das estatuetas de Valdivia, de 3.000 a.C. Continuamos caminhando observando o povo local, em um movimentado sábado à tarde, através de passarelas e áreas arborizadas do “Malecon” – um projeto bem-sucedido de recuperação da área ribeirinha para uso popular. Seguimos até os imponentes prédios governamentais na Plaza de la Administracion, e de lá pela catedral e Praça do Centenário, até nosso hotel.
Guayaquil, além de ser o porto mais importante, é a segunda maior cidade do país
Fiquei encantado com o Equador nesse encontro de passado e futuro na arquitetura andina e costeira: o centro colonial espanhol de Quito do século XVII e o “Malecon” de Guayaquil, desse milênio. Mas é Galápagos, com toda sua vida animal – cujo isolamento conduziu à tese de Darwin da origem das espécies – que reforça nosso compromisso com a preservação do meio ambiente para as próximas gerações.