Marvada, Água Benta, Sacode, Lágrima de Virgem, Chora Menina, Quebra Jejum, Esquenta Corpo, Boa Pra Tudo
Retrato da cultura nacional, dona de mais de 3 mil nomes, com inúmeras nuanças de cores, aromas e sabores, a cachaça é a mais brasileira das bebidas. Para alguns apreciadores, deve ser branquinha e cheirar a cana; outros defendem as envelhecidas, que repousam em diferentes madeiras. Sem desconsiderar que gosto não se discute, é importante dizer que a cachaça tem cada vez mais conquistado espaço na mesa de restaurantes, em drinks sofisticados e em receitas gourmets.
Mesmo que a caipirinha seja a maior responsável pelo sucesso da brasileiríssima bebida no exterior. Por aqui, nem só de caipirinha se fez o sucesso da cachaça. Essa conquista se deve muito à dedicação de produtores e ao trabalho de bartenders que têm desenvolvido drinks autorais em que ela é a estrela.
A cachaça é bebida nacional do Brasil por decreto federal e patrimônio tombado por lei em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. O primeiro destilado da América Latina não tem sua origem claramente definida, porém pesquisadores sabem que surgiu em algum lugar do litoral brasileiro. No início, seria utilizada para alegrar os escravos que trabalhavam nos engenhos de cana-de-açúcar. Documentos históricos garantem que já era produzida em escala no Brasil no século 17.
De lá para cá, foram muitos percalços. Desde a proibição de consumo determinada pela família real portuguesa, incomodada com a concorrência com o vinho do Porto e com a bagaceira, até a liberação, mas com a cobrança de altos impostos, o que resultou na insurgência dos donos de engenho – a Revolta da Cachaça. Obstáculos superados, por longo tempo permaneceu considerada bebida popular, no sentido pejorativo. Aos poucos, porém, com o aprimoramento da produção foi ganhando apreciadores no país e no exterior. No princípio, muito mais valorizada em terras distantes. Só de uns tempos pra cá a cachaça conquistou destaque em casamentos, formaturas e festas sofisticadas.
Orgulho Nacional
George Eduardo Silveira dos Santos, o Dudu das Caipiras, acompanhou de perto essa evolução. Desde os tempos em que trabalhava como garçom em bares de Porto Alegre até o momento em que, em 2006, foi pioneiro em levar as mesas de caipirinha para festas requintadas. E, com orgulho, ver a bebida símbolo nacional virar ingrediente principal de drinques autorais, conquistando prêmios de destaque em concursos internacionais.
“A cachaça está ganhando o destaque que merece. É muito bom ver bartenders e mixologistas criando drinks em que ela é o ingrediente principal. Destaco aqui Laercio Zulu e Alex Mesquita, ambos de São Paulo, de quem sirvo drinks de referência. Zulu criou o Banzeiro, com cachaça, vinho tinto e espuma de gengibre, e Alex, o Revolução Brasileira, com cachaça, abacaxi, limão e licor de amêndoas.”
Dudu criou Biter de Buteko, com cachaça, Campari e Cynar. O maior atrativo em festas, no entanto, é a mesa com ingredientes para a elaboração das caipirinhas. São grandes recipientes de vidro transparente repletos de frutas e temperos. E as combinações entre eles resultam em sabores inusitados. Tem caipirinha regional, como A Gaudéria, com bergamota, limão e rapadura, e A Gaúcha, com bergamota, limão-cravo e gengibre.
“As mulheres são atraídas muito pelas cores e costumam optar pelas caipirinhas com frutas vermelhas. Os homens, por sua vez, preferem as mais cítricas”, conta Dudu.
Não se deve esquecer, no entanto, que o maior palco da caipirinha está no bar, na praia, nos restaurantes, nas churrascadas e em casa, como aperitivo. E se tem quem escolha as feitas com vodca, é importante ressaltar que essas não são caipirinhas. As verdadeiras têm que ter cachaça.
O que é
Cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, tendo como matéria-prima exclusiva o mosto fermentado do caldo da cana-de-açúcar, com teor alcoólico de 38% a 48%.
Degustação
Nada contra o martelinho, aquele gole de uma só vez. Uma boa apreciação da qualidade da bebida, no entanto, pede a análise de algumas características para melhor percepção de todos os aspectos que compõem cada cachaça.
Visuais
A cachaça deve ser transparente e brilhante, sem nenhum tipo de substância sólida. Após servida, girando o copo e levando a bebida até a borda do copo, uma película oleosa deve se formar nas paredes internas e escorrer lentamente, formando ondulações.
Olfativas
O aroma deve ser suave e delicado, sem traços agressivos. O aroma frutado vem da fermentação, predomina em bebidas novas e com pouco tempo de armazenamento. Nas cachaças envelhecidas, predominam os componentes amadeirados dos tonéis.
Gustativas
É importante tomar um gole e movimentar a bebida para que atinja toda a extensão da língua e interior da boca. A cachaça de qualidade deve apresentar níveis de acidez que não provoquem queimação desagradável. Com o envelhecimento, a sensação de acidez tende a diminuir, deixando a bebida aveludada. A presença e o grau de amargor dependem do tipo de madeira utilizada. O gosto adocicado provém do envelhecimento.
Retrato da cultura nacional, com inúmeras nuanças de cores,
aromas e sabores, a cachaça é a mais brasileira das bebidas
Serviço
Copo shot
Não é o mais indicado porque dissipa os aromas, além de não permitir a visualização da película oleosa.
Taça
Perfeita porque concentra a percepção alcóolica e dos aromas. Principalmente se a degustação começar com uma cachaça resfriada. Terá início suave e, conforme vai aquecendo, ganha potência e revela camadas de aromas.
Copo baixo
As bordas alargadas permitem que os aromas e o álcool se desprendam, desenvolvendo delicadeza. Servida com gelo, a diluição gradativa da cachaça permite apreciar aromas mais discretos, que ficam escondidos pelo álcool.
Influências das madeiras
Amburana
A amburana, conhecida como cerejeira em algumas regiões do Brasil, transfere para a cachaça uma cor intensa e um buquê aromático forte e característico, com notas frutadas e um toque evidenciado de especiarias e sabor levemente adocicado, remetendo a canela, mel e baunilha.
Amendoim
Apresenta um perfume sutil, quase imperceptível, de cor ligeiramente amarelada e gosto um pouco adstringente. Cachaças armazenadas e/ou envelhecidas nessa madeira são ótimas para o preparo de drinks, especialmente a caipirinha.
Angelim-araroba
Também conhecido como angelim-coco. A cachaça se torna amarelada e absorve o gosto acentuado dessa madeira.
Angico
Essa madeira transfere para a cachaça aromas de ervas e cereais, resultando em cachaças suaves ao paladar e sem gosto residual.
Ariribá
Cachaças armazenadas e/ou envelhecidas nesta madeira apresentam cor levemente amarelada e aroma característico da delicadeza de um buquê de flores e vegetal. Se distingue pela viscosidade e oleosidade da bebida. Quando tostada, a madeira confere aromas de frutas vermelhas, como o morango. É utilizada no Sul do Brasil.
Bálsamo
Cachaças armazenadas e/ou envelhecidas em bálsamo apresentam uma cor dourada com tons esverdeados, se envelhecidas por muitos anos. Ganham aromas intensos, com notas herbáceas e de especiarias, como anis, cravo e erva-doce, e um gosto levemente apimentado. Muito usada no Norte e em Minas Gerais.
Carvalho americano
Cachaças armazenadas e/ou envelhecidas nesta madeira apresentam uma cor dourada, aromas característicos da baunilha e do coco, sabor suave e um buquê aromático complexo.
Carvalho europeu
Envelhecida e/ou armazenada no carvalho europeu, a cachaça assume cor âmbar, além de intensos aromas e sabores característicos de amêndoas, nozes, castanhas, madeira tostada e taninos.
Castanheira
Conhecida como carvalho brasileiro. Em contato com essa madeira, as cachaças se tornam mais suaves e com cor levemente de bronze. Com aroma característico e sabor de castanha.
Freijó
É uma madeira que não altera muito o aroma e o paladar da cachaça. É geralmente usada para o “período de descanso”, que acentua a aspereza natural da bebida, deixando-a mais saborosa. Muito utilizada no Norte e no Nordeste.
Grapia
Torna a cachaça mais leve e suave, mas mantém a sua cor original. É mais utilizada em blends com outras madeiras, agregando adocicado e toques terrosos. Muito utilizada no Sul.
Ipê
O ipê transfere para as cachaças uma cor âmbar escuro (tendendo a um tom alaranjado). Essas, geralmente, possuem sabor um tanto peculiar, muito apropriado para indivíduos de personalidade forte em busca de sabores notáveis.
Ipê-amarelo
Considerada uma árvore nacional, possui importância simbólica equivalente ao pau-brasil. A cachaça apresenta tons alaranjados e um sabor suave.
Jatobá
Possui um aroma impressionante, levemente terroso e misturado com ervas, de amargura média. Gosto residual forte e intenso.
Jequitibá
Essa madeira passa sabor e aromas quase imperceptíveis, além de fornecer uma cor pálida. Cachaças armazenadas e/ou envelhecidas em jequitibá apresentam suavidade no paladar.
Jequitibá-rosa
O jequitibá-rosa fornece uma cor dourada, aromas e sabores agradáveis, com um buquê aromático e complexo, similar ao do carvalho americano. Agrega notas de baunilha.
Louro-canela
O louro-canela deixa a cachaça mais suave, oferecendo um sabor adocicado. Esta madeira afeta muito pouco a coloração da bebida.
Pau-brasil
Geralmente, o envelhecimento usando nesta madeira é de médio a longo prazo (2 a 3 anos), resultando em um bom equilíbrio entre aromas doces e amargos (mistura de flores e ervas).
Receita
Caipirinha
Gaudéria
George Eduardo Silveira dos Santos
Dudu das Caipiras
Ingredientes
- 50ml de cachaça Prata
- 1/2 de bergamota
- 1/4 de limão
- 30 ml de xarope de rapadura
Xarope de rapadura - 200 g de rapadura de cana
- 200 ml de água
Modo de Fazer
Modo de fazer o xarope de rapadura: Ferva um pedaço de rapadura com água, até formar um caldo.
Modo de fazer a caipirinha: Em um copo baixo, adicione o xarope de rapadura, o suco da bergamota, o suco de limão e a cachaça. Complete com gelo. Para dar um charme, decore com uma folha de limão ou de bergamota.
Receita
Caipirinha
Gaúcha
George Eduardo Silveira dos Santos
Dudu das Caipiras
Ingredientes
- 50 ml de cachaça Prata
- 1/2 bergamota
- 1/4 limão cravo
- Raspas de gengibre
- 1 colher (sobremesa) de açúcar
Espuma de bergamota - 120 ml de suco de bergamota
- 30 ml de limão siciliano
- 1 ½ caixinha de creme de leite
- 7 colheres (sopa) de açúcar
Modo de Fazer
Modo de fazer a espuma de bergamota: Misture tudo e coloque em cum sifão com 1 cápsula.
Modo de fazer a caipirinha: Em um copo baixo, adicione o suco de bergamota, o suco de limão cravo, raspas de gengibre e o açúcar e misture bem. Acrescente a cachaça e complete com gelo. Por cima, coloque a espuma de bergamota.
Receita
Bitter de
Buteko
George Eduardo Silveira dos Santos
Dudu das Caipiras
Ingredientes
30 ml de cachaça Amburana
30 ml de Campari
30 ml de Cynar*
Modo de Fazer
Modo de Fazer: Em um copo baixo, misture a cachaça , o Campari e o Cynar. Se quiser, decore com uma fatia de laranja seca.
*Cynar é um bitter à base de alcachofra criado em 1952 pelo empresário veneziano Angelo Dalle Molle.
Saiba mais
- De acordo com o tempo de maturação em madeira, a cachaça é classificada como prata, ouro, premium e reserva especial.
- Em 1660, produtores de cachaça do Rio de Janeiro lideraram uma rebelião, devido aos altos impostos cobrados pela bebida, e tomaram o governo da cidade. O movimento foi chamado de Revolta da Cachaça e abriu o caminho para a legalização da bebida, o que ocorreu em 13 de setembro de 1661, por ordem da coroa brasileira. Por este motivo, o dia 13 de setembro foi escolhido como o Dia da Cachaça.
- Durante o ciclo do ouro, enquanto os homens se dedicavam à exploração de pedras e metais preciosos nos rincões de Minas Gerais, as mulheres cuidavam das tarefas do lar e ficavam responsáveis pela fabricação da cachaça em pequenos alambiques.
- São mais de 3 mil denominações para a cachaça. Entre elas, Marvada, Água Benta, Sacode, Lágrima de Virgem, Chora Menina, Quebra Jejum, Esquenta Corpo, Boa Pra Tudo e tantos outras.
- Supersticiosos costumam oferecer “a do santo”, derramando um pouco da bebida no chão, antes de beber.