
Ingredientes como losna, genciana, cinchona e diferentes ervas e especiarias conferem o perfil de sabor do vermute, com notas amargas, doces e herbáceas
Uma nova onda da coquetelaria, como a que promoveu o gim tempos atrás, tem causado o surgimento de novos drinks e casas especializadas no Brasil e no mundo. Tradicionalmente conhecido por ser ingrediente de coquetéis clássicos, como Negroni, Manhattan e Dry Martini, o vermute tem conquistado protagonismo em taças, copos e até em receitas de pratos doces e salgados. As vermuterias descoladas fazem sucesso em Buenos Aires, Montevidéu, Santiago do Chile, Lima e São Paulo. Se antes o vermute era coadjuvante, hoje ascende ao posto de protagonista.
Originário da Grécia antiga, o vermute foi criado originalmente como remédio. No início, os médicos frequentemente misturavam vinho com ervas medicinais para criar tônicos restauradores, com propriedade analgésicas e anti-inflamatórias. Conta-se que Hipócrates teria sido o precursor do vermute, na Grécia Antiga, e que, em 400 a.C., o pensador e médico teria infusionado um vinho forte e doce com artemísia (a flor do absinto/losna) e flores de menta, dando origem a um digestivo para cuidar de doenças como reumatismo e anemia. O nome vem do alemão wermut, que significa absinto.
No século 17, vinhos fortificados com absinto existiam na Alemanha. Porém, só no século 19 a bebida ganhou a forma conhecida hoje, em bares de Turim, na Itália. A Itália, especialmente a região de Piemonte, é considerada o berço do vermute moderno. Antonio Benedetto Carpano criou a primeira versão comercial de vermute em 1786, com uma receita que misturava vinho branco com mais de 30 ervas da região, incluindo a losna, e adicionava açúcar para equilibrar o sabor. A receita foi um sucesso e assim foi criado o vermute italiano, atualmente encontrado em diversos rótulos de marcas famosas e reconhecido em 2007 com o selo de Indicação Geográfica Protegida (IGP).
No século 20, a popularidade do vermute passou por altos e baixos. Durante a era da Lei Seca, nos Estados Unidos, o acesso à bebida foi limitado, mas, após a Segunda Guerra Mundial, a demanda voltou a crescer, especialmente no contexto de coquetéis. Contudo, nas décadas seguintes, a popularidade do vermute diminuiu à medida que os gostos do público mudaram e os coquetéis mais fortes ganharam destaque. O século 21 deu uma mudada nos perfis tradicionais do vermute, mesmo na Europa, onde surgiram receitas diferentes, com aromas e sabores locais.
No Brasil, a bebida entra na categoria de vinho composto e, em comum com a legislação europeia, é preciso ter base vínica e haver predomínio de losna (Artemisia absinthium) entre seus elementos aromáticos. Além da erva amarga, podem ser adicionadas raízes, ervas, flores, cascas e sementes de acordo com o gosto do produtor. O açúcar pode ser utilizado para equilibrar a receita ou originar um vermute decididamente doce.
Hoje há uma grande liberdade criativa, que surge dos diversos tipos de vinhos que formam a base da bebida e do uso de botânicos regionais. No Uruguai, a base pode ser o Tannat, no tinto, e a Alvarinho, no branco. Na Argentina, pode ser o Malbec e o Torrontés. No Brasil, a Companhia dos Fermentados, por exemplo, vai mais longe, e deixa de lado a legislação que exige que vermute tenha base vínica, e utiliza base de fermentados de caqui, mel, caju e jabuticaba, que são batizados como vermús, por não se encaixarem na categoria, embora a Companhia faça vermutes à base de vinho, com adição de café e outras ervas brasileiras. Na Bolívia, tem vermute infusionado com ervas andinas e até com folhas de coca.

Os vermutes franceses são normalmente secos e brancos
Os tipos
As principais diferenças entre os tipos de vermute são a cor, a doçura e os ingredientes utilizados para aromatizá-los.
Dry – feito com vinho branco, é seco, menos doce, com gosto final ligeiramente amargo.
Clássico ou Rosso – feito com vinho tinto, é doce. Tem cor avermelhada e é o mais utilizado em drinks clássicos e contemporâneos.
Bianco – a partir do vinho branco, é mais doce que o Dry, perfumado, encorpado, com toques de ervas frescas.
Rosé – rosado e doce, é um pouco mais leve e elaborado a partir de vinho rosé.
Punt Mes – tinto e amargo, é uma versão menos comum feita com vinho tinto e de caráter amargo.
Drinks clássicos

Dry Martini
Originário dos Estados Unidos, Dry Martini é o aperitivo preferido de James Bond. O agente secreto 007, herói criado pelo escritor Ian Fleming, vibra nas telas do mundo todo, bebendo Martini de preferência bem seco. O Dry Martini foi inventado em 1910, no Hotel Knickerbocker, de Nova York, pelo barman Martini de Arma di Taggia, e é aristocrático em sua origem. Surgiu pela exigência do magnata norte-americano John D. Rockefeller, que queria um drink ao mesmo tempo simples e sofisticado. Martini testou várias combinações até chegar à criação que conquistou Rockefeller e frequentadores do hotel, como o tenor Enrico Caruso. E a partir daí, essa combinação de gim, vermute e azeitona se tornou um clássico pelo mundo. Com uma polêmica, no entanto: a quantidade correta de vermute agregada ao drink. Ela varia de acordo com o gosto de cada pessoa. Julia Child, a renomada chef de cozinha, além de usar o vermute em suas receitas, tinha como drink predileto o Upside-Down Martini ou Martini Reverso. Enquanto o Martini tradicional, em sua época, era de 1 parte de vermute para 5 de gim, a chef preferia 5 partes de vermute para apenas 1 de gim.

Negroni
Esse clássico da coquetelaria surgiu no Caffè Casoni, em Florença, na Itália, em 1919, por um pedido do Conde Camilo Negroni para que o barman Fosco Scarselli reforçasse seu coquetel Americano, substituindo a água com gás por gim. Além da substituição, Scarselli decorou o drink com casca de laranja, criando o Negroni, uma combinação equilibrada de gim, Campari e vermute doce.

Manhattan
Considerado um dos primeiros drinks modernos, por incluir o vermute, o Manhattan tem diferentes versões sobre sua origem. A teoria mais aceita, apoiada por historiadores, sugere que George Black, proprietário do Manhattan Inn, seria o criador do drink, na década de 1860. No entanto, há quem afirme que o Manhattan foi criado no Manhattan Club de Nova York, em 1870, a pedido da mãe de Sir Winston Churchill, Lady Randolph Churchill, anfitriã de uma festa para Samuel J. Tilden, um candidato à presidência. Versão essa muito contestada pelos estudiosos do tema.
A primeira menção ao vermute escrita conhecida aparece na coluna New York Letter, do The Olean Democrat, de 5 de setembro de 1882, em Nova York, e a primeira receita completa aparece dois anos depois, no The Modern Bartenders’ Guide, em 1884. O importante é dizer que a combinação de uísque, vermute e angustura se tornou um clássico.

Produção gaúcha
O Rio Grande do Sul também está presente na produção da bebida. O Suspírito é o primeiro vermute do Brasil com registro de vermute composto tinto doce. É produzido em Flores da Cunha, com vinho de uvas brancas – Chardonay, Riesling e Trebbiano – da vinícola Viapiana. O Suspírito é infusionado com 32 ingredientes, entre eles, cereja, losna, hibisco, limão siciliano, figo turco, baunilha e tâmaras. A bebida, com dupla infusão e dupla destilação, remete a especiarias, caramelo e um toque de mentolado, quando na boca.

Em Barcelona, as vermuterias viraram febre e a bebida jorra diretamente das torneiras para os copos
Na cozinha
Os secos
- O vermute seco pode substituir o vinho branco em preparo de pratos que envolvam frango, vegetais e massas leves.
- Vermute seco com perfil herbáceo e levemente amargo pode dar profundidade e contraste a uma variedade de aperitivos e pratos principais.
- Os aromas herbáceos e o sabor do vermute seco, combinados com a acidez do vinho, o tornam uma potência saborosa quando usado para deglacear uma panela ou como base para cozinhar no vapor ou saltear vieiras, camarões ou mariscos frescos.
- Tartar de atum ou de carne podem receber um toque de vermute.
- No preparo de coq au vin, o vermute dry pode ser usado para deglacear a panela e formar um bom molho.
- No preparo de peixes e frutos do mar, deglacear e adicionar suco de limão para formar um molho leve e herbal.
Os doces
- A leve doçura e o caráter vibrante do vermute branco são perfeitos para acompanhar a maioria dos queijos, com exceção de queijos salgados ou azuis de sabor intenso.
- Frutas frescas e frutas vermelhas também combinam bem com o vermute branco.
- Saladas de verão com frango e frutas ou pratos asiáticos refogados combinam com os sabores encorpados e adocicados deste tipo de vinho fortificado.
- Ao cozinhar carnes vermelhas, estufar vegetais ou caramelizar cebolas, a utilização de vermute doce na receita adiciona uma profundidade de sabor.
- Gratinado de legumes ganha doçura sutil com vermute doce no molho bechamel.

No Brasil, é popular o Rabo de Galo, combinação de vermute, cachaça e casca de laranja
Harmonização
Secos
- A crocância do vermute seco combina bem com os sabores frescos da burrata, frutas e com molho pesto.
- É perfeita companhia para frutos do mar.
- Harmoniza com pratos mais leves, como o risoto de camarão.
- É bom parceiro para saladas frescas.
- Harmoniza cm queijo de cabra, muçarela e brie.
- Os botânicos ajudam a reduzir o salgado de ostras, bacalhau e mariscos.
- Um bom parceiro para a charcutaria, como salames e presunto cru.
- Bruschetta com tomate e manjericão fresco.
Doces
- O perfil rico e condimentado harmoniza bem com pratos encorpados ou pode ser um delicioso contraponto a pratos levemente picantes ou ácidos.
- Vermute doce com tons condimentados e, às vezes, florais e frutados harmoniza perfeitamente com pratos salgados e doces.
- Queijos encorpados, como cheddar curado, gorgonzola, além dos queijos quebradiços e envelhecidos, resistem à robustez do vermute.
- É uma boa parceria para pratos asiáticos.
- Harmoniza com sobremesas à base de mel, coco ou chocolate.
- Fica uma delícia ao acompanhar sobremesa de figo grelhado com mel e manteiga noisette.