“Jamais deve-se minimizar, menosprezar o sentimento da criança. Isso é ofensivo e faz com que a criança se afaste, se sentindo insegura, incapaz e inadequada.” Heloisa Zimmermann, psicanalista, coordenadora do Núcleo de Infância e Adolescência da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre SBPdePA
Estados transitórios de ansiedade surgem para todos ao longo de boa parte da vida, principalmente na véspera de situações que geram grande expectativa. Para os pequenos, o retorno às aulas pode desencadear sensações desagradáveis, como medo, tensão e angústia.
O momento mistura mudança de rotina, imprevisibilidade diante de uma nova escola, uma nova série ou uma nova turma (às vezes tudo isso junto). Então, é de fato um passeio fora da zona de conforto – que exige atenção de pais, responsáveis e professores, apoiando a criança para lidar com as emoções e agindo quando as reações excedem limites.
“Uma certa angústia, conferir várias vezes os materiais, ter dificuldade para dormir na primeira e segunda noites que antecedem o início das aulas… Tudo bem, faz parte”, descreve a psicanalista Heloisa Zimmermann, coordenadora do Núcleo de Infância e Adolescência da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA). Ela explica: “Indica-se buscar orientação e ajuda profissional quando a oposição em ir para a escola for extrema e observar-se na criança um grande sofrimento”.
“Os professores devem estar atentos aos comportamentos dos estudantes e atuar em parceria com as famílias, tendo em vista que (em um quadro de ansiedade) muitos aspectos podem estar implicados.” Psicopedagogas Monica Eidelwein e Rosanita Vargas, presidente e vice da ABPp-RS
Intensidade e frequência dos sintomas são indicadores importantes. Em qualquer nível de estado de ansiedade, uma relação de confiança entre família e escola é fundamental. O acompanhamento de adultos favorece a construção e o acesso a recursos de autorregulação pela criança, que incluem a chance de falar sobre o que está sentindo e se tranquilizar diante do que parece ameaçador. “Os espaços de escuta, legitimando sentimentos, falas e angústias, são construídos em conjunto, escola e família. Uma parceria”, afirmam as psicopedagogas Monica Eidelwein e Rosanita Vargas, presidente e vice da ABPp-RS (Associação Brasileira de Psicopedagogia). Para elas, uma postura acolhedora do professor é chave para que o estudante se sinta seguro.
Entre as crianças da Educação Infantil, a ansiedade de separação é a mais comum. Daí a importância de um período de adaptação, em que a rotina escolar vai sendo estabelecida gradativamente. Nesse contexto, os próprios pais ou responsáveis devem avaliar se não estão eles próprios ansiosos. “As atitudes dos pais impactam nas atitudes dos filhos”, alertam as psicopedagogas.
Se os dias passam e o comportamento da criança não muda ou piora, se a resistência continua, há desânimo ou ela não interage com colegas, é importante a avaliação de um profissional de saúde mental ou de cuidados emocionais. “Isso não quer dizer que a criança vá ficar em tratamento para sempre”, comenta Heloisa. “Inclusive, como nesses casos a avaliação se inicia conversando com os pais, com frequência essa etapa já resolve o problema. O acolhimento das dúvidas e angústias dos pais, esclarecimentos e orientações gerais podem aliviar muitos dos sintomas”, acrescenta ela.
As especialistas lembram que os pais não devem cobrar ou exigir da criança um comportamento ideal. O melhor caminho é o inverso: conversar, perguntar, tentar compreender o que está acontecendo. “Independentemente do sintoma, certamente não é de propósito que a criança o está apresentando. E quando os pais não souberem o que fazer, podem dizer aos filhos que vão buscar ajuda com os especialistas em crianças. Isso acalma e dá esperança de melhora.”, orienta a psicanalista. “Na dúvida de como me apresentar, oriento aos pais que digam que vão consultar a médica dos sentimentos. É comovente quando as crianças cobram se os pais já foram a consulta.”
Sinais de alerta
- Algumas alterações de comportamento antes do início das aulas estão dentro da normalidade. E tendem a ir se amenizando até que passam, em poucos dias. O alerta acontece conforme a intensidade e a frequência dos sintomas. É o grau de sofrimento que determina a necessidade de buscar ajuda profissional ou não.
- Entre os sinais de ansiedade preocupantes estão: choro excessivo, alteração no sono, enurese noturna, resistência a ir à escola, mudanças nos hábitos alimentares (excesso ou restrição ao alimentar-se), perda ou aumento de peso, irritabilidade, tristeza, náuseas, falta de ar, dificuldade para socializar, roer unhas, desatenção ou perda de memória, perda de interesse por atividades ou hobbies de que antes gostava, entre outros, especialmente quando ocorrem em excesso e de forma recorrente.
- A ocorrência de um ou mais sinais de ansiedade não significa transtorno de ansiedade, a patologia em si. Um diagnóstico assim só pode ser dado por profissionais. Nesses casos, geralmente, a causa não é a volta às aulas – isso foi apenas a gota d´água.
Acolher, não repreender
- O retorno às aulas requer muitas tarefas aos pais ou responsáveis – e muitas vezes, com o fim das férias, eles mesmos estão mais demandados profissionalmente. O maior cuidado, então, é prestar atenção na criança, em meio a tantos estímulos do dia a dia corrido.
- Uma vez percebendo que algo parece diferente do habitual, demonstrar disponibilidade. Sentar, tentar conversar, perguntar o que ela está sentido. É importante considerar que essa criança talvez vá precisar de tempo para elaborar algo e conseguir se expressar. Manter-se paciente, com uma postura de escuta, é o primeiro ponto.
- Durante a conversa, prestar atenção de verdade. Contato visual é importante. A expressão facial e os gestos escolhidos de pais e responsáveis influenciam na capacidade da criança de se sentir confortável, à vontade para falar.
- De posse das respostas, o adulto deve demonstrar que reconhece esse sentimento, não julgar ou minimizar. Então propor alternativas para amenizar ou solucionar a situação. Quando não souber o que fazer, o adulto deve ser sincero. Dizer que não sabe, que vai buscar ajuda de quem sabe e reafirmar que, de qualquer forma, estará ali para escutar a criança, sempre. Um carinho, um abraço ou qualquer gesto de fortalecimento afetivo ou emocional ao qual a criança está acostumada são bem-vindos.
- Descrever, detalhar, explicar como será a nova rotina e o que deve acontecer no período de aula (principalmente em contextos de novidade: nova escola, novas séries, etc.) ajuda a criança a se sentir mais segura. A previsibilidade e a estabilidade são importantes para acalmar. A escola pode ajudar aqui.
- Considerar que os próprios pais ou responsáveis possam estar se sentindo ansiosos. Essa autoavaliação é importante, porque o estado emocional dos adultos impacta diretamente as crianças.
O bullying precisa ser enfrentado
Não tem como abordar um tema como medo ou ansiedade no retorno às aulas sem citar a possibilidade de, por trás disso, estar a ocorrência de bullying. Alvo e autor precisam de amparo – e os efeitos atingem inclusive quem apenas testemunha esse tipo de violência.
O melhor caminho é adotar uma perspectiva preventiva e protetiva, por meio de uma comunicação aberta e segura entre estudantes, famílias e escola. Segundo as piscopedagogas Monica Eidelwein e Rosanita Vargas, é importante que as instituições de ensino disponham de formação docente com foco na mediação e resolução de conflitos. A psicanalista Heloisa Zimmermann propõe um trabalho educativo com a turma toda, desde que feito por um condutor, um professor capacitado no tema e que não vá, por exemplo, expor as crianças ou os adolescentes. “Bullying é bem delicado, mas é um tema que precisa ser enfrentado”, enfatiza.