
A paixão poderia matar. Mas não mata, se verdadeira, justo por causa do seu problema maior, que é o tempo. O tempo exíguo, em seu caso. Não o tempo igualmente breve que concede de vida, durante este tempo que poderia matar. E, posto que breve, é grande, é ardente, sobretudo na sensação de grandeza que oferece. Grandeza, aqui e ali, é modo modesto de dizer; trata-se mesmo de uma onipotência verossímil. E dessa nem os super-heróis seriam capazes, que eles e elas possuem um tendão vulnerável, este que a paixão, maior ainda, ignora em seu corpo maciço. Os verdadeiros super-heróis são os apaixonados, mesmo que seja inexplicável a sua imortalidade.
O grande problema da paixão é o tempo. O tempo que, por ser exíguo, ela não concede. O tempo subtraído em sua vida curta, o vapte-vupte entre seu durante e seu depois. E, depois, já não será maior nem menor: não será. Porque não há, com a paixão, aquela sensação menor de não estar à altura do que se vislumbrou e buscará em cada fresta do dia um jeito de voar mais alto. Nem a incompletude que se esgarça em completar e, quanto menos completa, mais se esgarça em sua busca. E aquela outra sensação, a de não bastar, que abre mão de si para pegar a mão do outro e a mão do outro já não bastará e buscará o outro inteiro, ainda que incompleto. Sem jogo de espelhos, metades de metades, fazendo de um dia o que poderia ser a vida. E é mesmo. E dia e vida já não podem ser sozinhos, porque vão precisar de outros dias, como um precisará do outro, dia e noite. E já riem do voo que não pôde ser tão alto. E choram da altura conseguida.
Pois isso só com o tempo, este que ameniza as hipérboles de um ideal, como o da paixão, e torna modestos os seus protagonistas, entre a sensação de ser menor, a incompletude, o não bastar. Só com o tempo, que poda excessos e veste, conforme o caso. E desnuda, conforme o caso. E, com um mínimo, estabelece a máxima de que um já não é sem a poesia do outro, mesmo sabendo prosaicamente que, sem o outro, ainda assim será. E entre os dois há rio, uma ponte ou o que a ciência chamou de vínculo, mas precisará de muita arte para suportar o que respinga, o que não atravessa, o que sobra de ausência no ideal estilhaçado. E precisará mais arte ainda para suportar o que falta. E sempre sobra. E falta. E suporta.
Que um resquício de paixão fez a ficção de que sobra. E a realidade, essa única dama onipotente, lembra que falta, mesmo se suficiente. Pois isso só com o tempo, que a paixão não concede. E com o amor que, extenuada, ela viu brotar no seu lugar.