Conheça algumas iniciativas voluntárias na reconstrução e limpeza de lares atingidos pela enchente histórica
O desastre socioambiental que assolou o Estado em maio assombrou o país inteiro, mas é verdade também que outro fenômeno impressiona desde então, positivamente: a reação solidária praticamente concomitante ao caos e à devastação. Rapidamente, voluntários de diversas regiões formaram um grande exército comandado pela empatia para atuar em diferentes frentes. Foi porque cidadãos comuns se colocaram no lugar das vítimas que surgiram projetos espontâneos visando a um desafio enorme, subsequente ao de salvar vidas: a limpeza de casas que resistiram à força das águas e a reconstrução de lares.
Embora sugiram um trabalho pesado – e é –, essas iniciativas proporcionam a famílias que perderam tudo um tanto de leveza na forma de esperança renovada para recomeçar. Limpar ou proporcionar um teto e mobílias ao outro é como dizer a ele: você e sua história são importantes, valem a pena.
Essa é apenas a ponta de uma solidariedade ainda maior, já que todos os projetos dependem de doações, seja de itens, seja de dinheiro, de pessoas que não necessariamente pegaram no rodo ou martelaram um prego, mas permitiram que isso fosse possível.
Meu Lar de Voltar
O projeto Meu Lar de Volta é uma plataforma que conecta pessoas que precisam de ajuda para limpar e reconstruir suas casas com voluntários dispostos a colaborar neste grande mutirão. Essa disponibilidade pode vir de cidadãos individualmente ou mesmo por meio de projetos solidários independentes.
A ideia é uma iniciativa de quatro amigos ligados a tecnologia e inovação: Gabriel Hipolito, Felipe Menezes, Fábio Borges e Felipe Machado. O conhecimento em tecnologia que eles colocaram em prática resolve uma questão crucial quando se quer ajudar: localizar a necessidade e saber exatamente do que essa pessoa está precisando. Um mês depois da tragédia histórica, a plataforma contabilizava 18,7 mil voluntários e mais de 21 mil pedidos de auxílio. O site mostra um “mapa das necessidades” em tempo real.
Ao entrar no site, é muito simples: basta acessar ou o botão “Preciso de ajuda” ou o “Quero ajudar”. A partir daí, em cada um dos caminhos que se abre, é necessário preencher dados pessoais e as respectivas necessidades ou possibilidades de doações. Pela plataforma, é possível encontrar faxina, eletrodomésticos doados, cestas básicas, kits de limpeza pesada, entre outros serviços.
O Instituto Vakinha e o Programa Pretinho Básico se uniram à iniciativa, que também conta com a parceria de empresas. Como exemplo da força do projeto, dá para citar que na última semana de maio, quando a água baixou o suficiente para que as casas pudessem ser acessadas de forma mais consistente no Estado, mais de 600 voluntários faxinaram uma centena de lares em 13 cidades diferentes.
@meulardevolta
Reconstrução RS
Uma casa limpa é a semente da esperança por dias melhores. Com essa certeza em mente, voluntários se uniram sob o nome Reconstrução Rio Grande do Sul, desde meados de maio, e vêm comemorando nas redes sociais cada lar recuperado. Uma semana depois de anunciada a ação nas redes sociais, que começou tímida pedindo por voluntários e doação de materiais de limpeza ou dinheiro, quatro casas e um restaurante já tinham sido limpos pelo projeto. Uma das reações mais comuns de pessoas que recebem ajuda é confessarem que, ao encontrarem a casa, nem sabiam por onde começar ou como fazer para limpá-la. No início de junho, agora aliados ao Instituto Vakinha e Meu Lar de Volta, já somavam mais de 50 residências limpas. Uma característica evidente da iniciativa é o alto astral que os voluntários levam para cada endereço.
Lavanderia Solidária RS
Bruna Rabello e Amanda dos Santos tiveram a ideia de um dos projetos mais empáticos nesse rol de iniciativas do bem. Depois de visitarem abrigos que receberam famílias que haviam perdido tudo, e agora recebiam roupas, elas se deram conta: onde as pessoas vão lavar tudo depois de tomar banho? Afinal, a maior parte dos abrigos foi improvisada, sem estrutura para tal. Então, lá em meados de maio, elas criaram a Lavanderia Solidária. Pedindo por doações de máquinas (de lavar e de secar), insumos como sabão (líquido e em pó), amaciante, e contando com a cedência voluntária de um local para abrigar o projeto, na zona sul da Capital, deram início a algo fundamental para milhares de pessoas: ter roupa limpa. No final de maio, o espaço já contava com quase 40 máquinas, e o projeto conseguia atender mais de 30 abrigos – sendo nove deles voltados somente para pets. O trabalho teve o apoio de outros voluntários e se responsabiliza por buscar as roupas, lavar, secar e entregá-las de volta cheirosas. O projeto também depende de doações de alvejante sem cloro, luvas e máscaras descartáveis, além de cestos para roupas. Contribuições em dinheiro também ajudaram a fazer acontecer.
Reconstrói POA
Ainda na primeira semana de maio, quando ainda era difícil absorver todo o tamanho do desastre, a arquitetura Hare Bueno pensou lá na frente. Motivada pela grande mobilização em prol da arrecadação de alimentos, roupas, água e itens de higiene, ela deu início ao Reconstrói POA, nesse caso pedindo por doações de materiais de construção, de reforma, além de mobília e eletrodomésticos, a fim de ajudar quem perdeu a casa em bairros atingidos pela enchente histórica. “Todo mundo que já fez obra em casa tem um pouquinho de material sobrando”, lembrou a profissional na primeira publicação das redes sociais do projeto. A adesão de outros profissionais e o apoio de empresas fizeram a iniciativa crescer. No final de maio, o cadastro de famílias foi fechado, e o grupo já tinha as 10 primeiras casas selecionadas, todas no bairro Sarandi, um dos que mais sofreram com a inundação. Uma assistente social ajudou a definir as famílias que seriam ajudadas, tendo como critério as situações de maior vulnerabilidade social. No início de junho, os voluntários entraram na primeira casa beneficiada para dar início à limpeza que precede a construção. É um momento muito delicado, porque “envolve resgatar memórias”, reconhecem.
Mãos à obra RS
Você já pensou o que é morar em um lar vazio? A pergunta introduz o pedido de doações do projeto Mãos à obra RS, um grupo de arquitetos e parceiros focado em acelerar o retorno de famílias aos seus lares em Porto Alegre (bairro Humaitá), Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo. A iniciativa reúne cerca de cem arquitetos, parceiros e colaboradores para “rechear” as casas de quem perdeu tudo na maior enchente do Estado. Eles montam o que chamam de Kits Recomeço. A partir do cadastro do que cada família precisa, é feita uma triagem das famílias. As primeiras beneficiadas residem em Novo Hamburgo e São Leopoldo. A entrega aconteceu no início de junho. O Kit Recomeço é composto por uma bancada de cozinha, uma bancada de banheiro, uma cama, um armário, esquadrias, kit iluminação e kit reparo de pinturas – é o básico. Adicionalmente, cada família pode receber uma geladeira, um fogão e itens avulsos de mobiliário, conforme o fôlego das doações desses objetos e das contribuições em dinheiro. O montante inicial arrecadado contemplou 50 casas.
Mobília do Bem
Rechear casas de quem perdeu tudo também é o objetivo do projeto Mobília do Bem, formado por arquitetos, designers, engenheiros e marcenarias parceiras, que conseguiu mobilizar representantes em outros estados, para servirem como ponto de colega de doações (como, por exemplo: São Paulo, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná). A primeira publicação em redes sociais divulgando a ideia aconteceu em 15 de maio. Em poucos dias, a procura por ajuda foi tanta que a conta do projeto bugou. No final do mês, o cadastro havia sido encerrado. Inicialmente, as doações reunidas conseguiriam beneficiar 50 famílias. O projeto depende de doações de móveis novos ou seminovos, MDF, ferragens e insumos usados na montagem do mobiliário. Voluntários também são bem-vindos no transporte de itens e oferecendo locais para armazenamento das doações. O projeto não tem kits para pronta-entrega. A produção da mobília para as 50 famílias inicialmente beneficiadas iniciaria nos primeiros dias de junho.
Pacto Alegre
Como parte do Desafio Extraordinário Porto Alegre Resiliente, do Pacto Alegre (um coletivo que articula recursos e parcerias em diferentes iniciativas de impacto na cidade), voluntários tomaram para si o desafio de devolver às casas a condição de lares habitáveis, retirando lodos e entulhos.É o Projeto Limpeza Solidária, cujas primeiras ações em campo tiveram início no final de maio. A primeira ação reuniu um grupo de 10 voluntários. Pelo projeto, eles recebem treinamentos técnicos de empresas especializadas em limpezas pesadas e também de suporte emocional, para que o contato com os impactados pela enchente seja um momento de ânimo e acolhimento.
“Isso muda toda a minha perspectiva de vida. Quando eu entrei aqui, só tinha sujeira. O impacto psicológico que essa tragédia causa é muito grande. Receber essa limpeza é um renascimento, saindo da lama”, comentou uma das proprietárias de lares beneficiados, a professora de educação infantil Anne Pacheco. O Projeto Limpeza Solidária tem parceria com Senai, Sicredi, Instituto Vakinha e Meu Lar de Volta.
Reconstrução RS
Arrecadando materiais de construção, elétricos e sanitários, um movimento que surgiu de forma orgânica, inicialmente na cidade de Erechim, tomou proporções nacionais e reúne centenas de arquitetos, engenheiros, estudantes e profissionais da construção civil.
O grupo Arquitetos e Engenheiros Voluntários pela Reconstrução do RS continua recrutando ajuda em diferentes regiões do Estado: Norte, Serra, Vales e Metropolitana – além de um grupo para quem quer ajudar e está em outra unidade da federação. Todos os grupos podem ser acessados pelo link disponível na bio do Instagram do grupo. No início de junho um dos caminhões chegou lotado de doações a Montenegro, desde Erechim.
Podem ser doados móveis em bom estado e materiais de construção, como itens elétricos, hidráulicos, luminárias, porcelanato, tinta, esquadrias, carrinho de mão, enxadas, pá, cimento, brita, areia, tijolos e afins. Também é bem-vinda a ajuda de voluntários para atuar nas obras de reconstrução.
Vila do Agro
Com um incentivador e garoto-propaganda ilustre, o cantor sertanejo Sorocaba, um projeto audacioso saiu do papel em Roca Sales e já tem as primeiras estruturas da chamada Vila do Agro. A partir da doação de um terreno pela prefeitura, um espaço de 30 mil metros quadrados, os idealizadores planejam erguer 100 casas com a ajuda de doações. O valor de cada casa está estimado em R$ 25 mil. O expediente usado é o apadrinhamento, pelo qual cada padrinho ou madrinha assume o pagamento de cotas, que podem ser parceladas ao longo de um ano. Cada casa precisa da garantia de venda de pelo menos oito cotas de R$ 3 mil. Até o fim de maio, os organizadores afirmam ter cerca de 500 padrinhos.