Dias atrás saí para comprar um simples pilão para o preparo do tempero do dia a dia, e eis que de repente me vejo no setor de louças da loja em que eu estava. Acredito que você já imagina onde esta narrativa vai dar.
Em vários pontos da loja, sugestões de mesas postas com os mais diversos sousplats, pratos, bowls, taças, copos, talheres, guardanapos, enfim, tudo para bem receber em todas as ocasiões e, claro, seduzir os clientes.
Seduzida, meus olhos percorreram com rapidez cada uma delas, ainda que de longe, como se estivessem a definir que direção eu tomaria para o exercício da contemplação. Aquele momento em que buscamos por minúcias que, lá na frente, serão decisivas para o difícil ato de escolher entre tantas coisas que agradam. Claro, se eu pudesse levaria muitas delas. E, convenhamos, com frequência compramos por puro encantamento, sem a real necessidade do produto. Quem nunca, não é mesmo?!
Em meio aos temas das porcelanas e cerâmicas tão atuais, lá estavam flores, folhas, geometrias, poás, listras, brancos com dourados ou prateados, lisos e coloridos, e eu parei em frente à mesa decorada para o Natal.
Diante daquela mesa bem arrumada, minha imaginação logo acrescentou ao seu redor pessoas queridas que conversavam animadas. Estavam felizes com a companhia umas das outras. Juntas e em harmonia, embora tivessem idades, profissões, opiniões e gostos tão diversos. Ali, na minha noite de Natal, havia respeito pela individualidade que levava muitas vezes a reflexões enriquecedoras. Ninguém sairia dali do jeito que chegou. A boa convivência é mesmo transformadora.
Naquela mesa havia de tudo para saciar a fome: a bacalhoada para a mãe e os irmãos; o peru, sem vestígios de farofa, para o enteado; a leitoa pururuca com arroz branco, sem passas, para o maridão; salpicão de frango defumado com abacaxi, castanha de caju e outras coisas mais, para mim, e uma bela salada multicolorida com molhos diversos. O meu filho, pouco exigente, com certeza comeria de tudo um pouco. Ou muito.
Para sobremesa, o tradicional pudim de leite condensado que tanto agrada à maioria e um delicioso mix de frutas vermelhas, incluindo as doces e suculentas cerejas que marcam linda presença nesta época do ano. Naquela mesa estava faltando ele, meu pai, mas ainda assim havia as rabanadas polvilhadas com açúcar e canela. Lembro como se fosse hoje, o prazer dele ao saboreá-las.
A caminho de casa, com os pratos que agora já são meus, senti que, muito mais do que a noite de Natal, meu coração deseja momentos felizes que se façam rotina, boas atitudes que se tornem hábitos. Delicadezas, gentilezas que suavizem o cansaço e a exaustão por tanta pressão, desempenho, competição e exposição. Meu coração, corpo e alma querem alívio, paz e equilíbrio.
No meu devaneio diante daquela mesa de Natal, havia a esperança de um tempo sem correria, sem tanta tecnologia. Um tempo para o dolce far niente. Penso que nunca desejei tanto esse ócio prazeroso e relaxante como agora. Sem culpa nenhuma. Ao lado de pessoas que tenham como objetivo principal viver o melhor do verdadeiramente humano. Sem julgar ou subjugar, resgatando o velho lema paz e amor como o indispensável tempero do dia a dia.
Celso Gutfreind
Às vezes, pode vir um verso e, como uma fagulha, acende algo em nós. Ou, em vez dele, uma imagem sem palavras, uma canção, um único acorde dela. E