Eu estava em Paraí, no interior do RS, onde tudo também é relativo. Havia contado histórias na Escola Divino Mestre, contemplando alunos do ensino médio e fundamental, em um dia tão puxado quanto prazeroso. Comigo estavam o poeta Alexandre Brito e a atriz Maura Souza, que interpreta a palhaça Ema, no espetáculo Museu Desmiolado, baseado nos poemas do Alexandre. Ao final do dia, estávamos todos famintos e fomos ao divino Méki, único restaurante aberto, àquela hora, na pequena cidade.
O Méki talvez abusasse do seu cardápio, rico em cheese, cachorro-quente e lanches em geral. Mas, optando por uma refeição mais leve, escolhi um a la minuta, que não tardou a chegar, com duas chuletas que se completavam, uma gorda, a outra magra. E, no ritmo da completude gastronômica, arroz, feijão, salada, fritas. E quatro ovos bem mexidos. E, para arrematar o conjunto da obra divina, um mix de polentas, incluindo a frita e a brustolada.
A quantidade real de comida me afastava da leveza sonhada, enquanto eu era observado pelo Divino Mestre, e por Maura, a palhaça, pronta para diagnosticar a minha palhaçada calórica. Mas ela permanecia contida, por estar de rabo preso, ou melhor, de boca presa, já que tinha pedido o mesmo prato, sem ter feito menção de dividirmos. Não acrescentei que estávamos acompanhados pelos escritores Christian David e Pablo Morenno, porque, concentrados em seus cachorros-quentes, não se pronunciaram a respeito e os omissos não merecem ser evocados.
Quando lhe perguntei como vinha procedendo neste quesito, o poeta respondeu que recorria a um mocotó, pelo menos duas vezes por semana. E o disse, na cara (boca, estômago) de pau, ignorando o olhar da palhaça Ema, que seguia de olho na chuleta magra, enquanto comia a gorda, sob o olhar do Divino Mestre, terrivelmente espalhado pelo recinto.
Diante do mocotó do Alexandre, senti-me como um vegano com boca de passarinho, no Méki de Paraí, onde tudo também é relativo.
Celso Gutfreind é Psicanalista e escritor