Marmitas, água, insumos, papinhas de bebê, café e erva-mate, cozinhas solidárias e jantares de alta gastronomia: tudo reverte em auxílio aos desabrigados das enchentes e para a reconstrução do Rio Grande do Sul
A ação rápida e efetiva de cozinheiros e cozinheiras, de marcas e produtores de alimentos e bebidas — gaúchos e de todo o Brasil — fez surgir uma poderosa rede para distribuir doações, comida e um pouco de conforto ao povo do Rio Grande do Sul, devastado pelas inundações. Empatia, desprendimento e união emergiram da comunidade da cozinha em resposta à enorme desolação, reacendendo a solidariedade que salva vidas e resgata a esperança no recomeço que se inicia.
Milhares de Marmitas
Marmitas quentinhas tampadas com mensagens de afeto saíram das cozinhas do Grupo BEE, em Bento Gonçalves, para os desabrigados nas cidades de Estrela, Cruzeiro do Sul, Faria Lemos, Santa Tereza e outras do Vale do Taquari. O chef Rodrigo Bellora organizoua força-tarefaem seus restaurantes na Serra, reunindo membros da equipe e voluntários para arrecadar alimentos, cozinhar, embalar e entregar refeições às pessoas, vítimas dos alagamentos e voluntários em campo. A mobilização envolveu a doação de alimentos e a arrecadação de valores via pix, resultando, até o momento, em uma tonelada de alimentos doados e em mais de 5.000 refeições entregues. Rodrigo agora está estruturando uma cozinha comunitária para facilitar a produção e logística e trabalha em um novo projeto, com empresas e entidades locais, para fomentar pequenos negócios na reconstrução do Estado. O projeto será lançado ainda em maio.
SOS CO.ZINHAS RS
O chef Ricardo Dornelles, em parceria com a rede social gastronômica FeedMe e uma corrente de chefs, profissionais da gastronomia, voluntárias e voluntários, no Estado e fora dele, criou um sistema que faz a distribuição de marmitas diariamente. Uns cozinham, outros entregam, outros coordenam arrecadação e logística. Em 17 dias, produziram-se mais de 150 mil refeições e 91 toneladas de alimentos foram distribuídas. Eles conseguiram caminhões, embalagens e até isenções fiscais, que permitiram aumentar a entrega e fazer planos para a recuperação dos negócios amparados na alimentação. Essa é a nova iniciativa, intitulada SOS CO.ZINHAS RS, que conecta os e as chefs a cozinhas solidárias para preparar refeições dirigidas aos desabrigados das enchentes. O Instituto Ling se tornou um apoiador-chave, abrindo as portas de suas cozinhas de eventos por 60 dias para auxiliar na produção. No front culinário, Júlio Ritta, do Cozinheiros do Bem, Ícaro Conceição, Fabrício Goulart, Frank Bin e Thalyta Koller são alguns dos chefs em ação. O projeto conta também com chefs que estão apadrinhando a iniciativa, entre eles Ana Fagundes, Rui Morschel, Léo Paixão e Marcos Livi.
Doações valem vouchers
Marcos Livi se divide entre São Paulo e o Rio Grande do Sul para atender suas cinco casas na capital paulista e os empreendimentos na Serra gaúcha e em Santa Catarina — todos parte do Grupo Bah, que chefia. Em São Paulo, concentrou a coleta de doações nos estabelecimentos da marca, encaminhadas em caminhões próprios para distribuição desde Porto Alegre — colchões, roupas, insumos, cestas básicas e água. Livi fez campanha de vouchers oferecendo diferentes experiências em suas casas com 100% do valor revertidos para os projetos dos chefs Rodrigo Bellora, na Serra, e Ricardo Dornelles, na capital e arredores. Já bateu a meta. Livi faz questão de citar todo o povo da comida que está colaborando — Giordano (Serra), Graci (em Canoas), Bryan (no Vale do Sinos), Araújo (no Vale do Taquari). A próxima etapa de suas ações prevê 10 jantares a serem realizados até dezembro, com a presença de chefs do Sul, comemorando os 10 anos do Bar Quintana, e mais oito eventos na sua pizzaria Napoli Centrale, que comemora oito anos. Tudo para manter com recursos financeiros o projeto SOS CO.ZINHAS.
Para as crianças
Papinhas saudáveis e frescas para bebês nos abrigos de Porto Alegre. Flavia Mu e Marcelo Schambeck, a jornalista e o premiado chef, colocaram a cozinha do seu restaurante Capincho e sua expertise na alimentação infantil, que oferecem na Cantina BananaMaçã, dentro da Escola Projeto, a serviço dos pequenos abrigados na capital gaúcha. São cerca de 150 papinhas produzidas por dia, em média. A ação contribui, ainda, com os negócios de pequenos produtores, utilizando como insumos batata-doce, aipim, moranga, abobrinha. O casal está divulgando as campanhas para apoiar produtores de hortifrúti que tiveram as lavouras inundadas pelas águas — responsáveis pelo abastecimento de verduras, legumes, cogumelos e frutas produzidos de forma sustentável.
Refeições afetivas
Irmãos de Talheres é o nome de um grupo formado durante a pandemia do Covid-19 reunindo empresários de restaurantes e grupos de alimentação pelo país. Agora reativado, está divulgando campanha de arrecadação de recursos para o Rio Grande do Sul, com o apoio de diversos chefs — Claude Troigros, Guga Rocha, Roberta Sudbrack, Eric Jacquin, entre outros. Rodrigo Hennemann, da Soul Pizza, na Zona Sul de Porto Alegre, é pizzaiolo premiado entre os 3 melhores do mundo, na Itália, e abriu seu espaço dedicado a eventos para fazer refeições afetivas, como chama sua comida, e distribuí-las entre abrigos e instituições na cidade. A ação é chamada Pizzaiolo Solidário. Com o apoio dos Irmãos de Talheres, Hennemann está montando uma operação gigante, na Vila Nova, com capacidade de produzir 130 mil refeições afetivas, incluindo pizzas, para destinar aos desabrigados e a todos envolvidos na reconstrução do estado.
Xícaras de aconchego
Nas cafeterias, a movimentação foi rápida: primeiro salvar o que fosse possível das águas, em muitos desses que são os estabelecimentos queridos dos gaúchos, e em seguida servir conforto e acolhimento em xícaras de café doado. A Baden Torrefação de Cafés, de Guert Schinke, inaugurou em 29 de abril a quarta unidade da marca dentro do Mercado Público de Porto Alegre e fechou as portas três dias depois. No período apertado das chuvas e alagamentos na cidade, somente a torrefação, no Passo d´Areia, manteve a operação. A equipe de baristas se organizou para receber e encaminhar doações e fazer uma contribuição especial: kits de café fresquinho, torrado e moído, para quem pudesse retirar e preparar para voluntários e quaisquer pessoas envolvidas nos resgates. Também manteve café passado quente à disposição para quem pudesse transportá-lo em térmicas para os abrigados ou, ainda, para aqueles que chegassem para despressurizar e um bom papo, a qualquer hora.
Collab solidária
Roberta Falleiro, empreendedora do Café La Cabane, no bairro Floresta, viu a água subir tão rápido que só deu tempo de sair do jeito que estava. Não perdeu a garra nem a esperança e ganhou a solidariedade dos amigos e profissionais que também empreendem com alimentação. Juliana Sleupjes, do Limão Bergamota, em Ipanema, convidou a colega para um colab no seu café-restaurante com a renda revertida para o La Cabane. Um final de semana de ocupação do La Cabane no Limão Bergamota com cafés, comidinhas, mimos à venda e muito afeto na colaboração mútua rendeu aconchego e uma ajuda para a casa no 4º Distrito porto-alegrense.
Doações e acolhimento
O Café República, há 10 anos ícone na Cidade Baixa, ainda conseguia operar e muito atuou na recepção de donativos vindos de fora do Estado para os abrigos que estavam sendo montados. Eurico Albrecht e Kerlen Costa, o casal de empreendedores à frente do estabelecimento, participou ativamente das ações de acolhimento aos desabrigados com café e propostas de soluções — a advogada Kerlen é uma das responsáveis pela implantação dos abrigos para mulheres. A água alcançou a Cidade Baixa e o República foi obrigado a fechar as portas. Reaberto está comercializando um trio de cafés selecionados com parte da venda revertida às vítimas das enchentes, e os compradores podem participar na escolha do projeto beneficiado.
Erva-mate nos abrigos
Na região do Taquari, sofrendo pela terceira vez em 12 meses os danos das chuvas e das cheias, os deslizamentos isolaram as cidades umas das outras, no Alto e no Vale. Em plena colheita da erva-mate, os produtores mal conseguem chegar aos ervais, pois o perigo de deslizamentos é tanto que pode levar à perda total dos bosques da Ilex paraguariensis e ao desmoronamento sobre as terras abaixo. E mais: o que há de erva-mate disponível na indústria dificilmente chegará aos mercados, tendo em vista os acessos fechados. A Associação dos Produtores de Erva-Mate, presidida por Clóvis Roman, propôs então que os produtores e indústria se unam para enviar aos abrigos doações de erva-mate para o chimarrão tão bem-vindo. Um selo foi criado para a ação e cada pacote embalado na indústria irá levar a marca e identificação da entidade, registrando o esforço do grupo em prover à população nos abrigos a bebida querida dos gaúchos. Já são 2 toneladas reunidas para doar. Clovis e Ariana Maia, esposa e parceira, sócios na empresa que faz parte dessa ação — a Inovamate —, vão pessoalmente nos caminhões distribuir as doações. Ariana é graduada em Geografia, carioca apaixonada pelo Rio Grande do Sul e uma agitadora do mercado de erva-mate, onde já foi premiada por inovação. Para ir até os abrigos com a erva, arrecadou também cuias, bombas e térmicas.