Eu tive uma história com Aracy Balabanian. Foi um encontro improvável, mas que aconteceu. Em 1991, eu tinha 28 anos; ela, 50. Havia um encontro de poetas, em Nova Prata, organizado por Ademir Antônio Bacca. Não era o primeiro e os outros já tinham feito bastante furor e angariado muitos participantes. Aracy foi convidada, pois o Bacca costumava chamar alguma atriz famosa que ele considerasse “literária”.
O grupo Verso & Vício fez a abertura com um recital. Eu era um de seus três poetas, ao lado dos dois Josés: o Antônio Silva e o Weiss. O violinista que nos acompanhava era o Everton Pires, e a direção, do Oscar Simch. Já tínhamos feito várias apresentações, sobretudo, em Porto Alegre, onde poetas ocupavam bares e teatros naquela época: Mario Pirata, Ricardo Silvestrin, Alexandre Brito, entre muitos outros.
Ao final do espetáculo, Aracy se dirigiu ao palco para falar comigo e me elogiar diretamente. Jamais me esqueci de cada uma de suas palavras: “Você é um ator talentoso.” Não passou disso, mas foi o suficiente para eu me sentir bem faceiro. Depois, chegamos a tomar um café, sob a tenda da organização, e embora guarde uma lembrança agradável do que teríamos conversado ali, já não alcanço o texto dessa prosa. “Você é um ator talentoso” foi o que ficou.
Soube, hoje, no dia de sua morte, aos 83 anos, que ela também recebeu elogios valiosos para o seu futuro. De Sérgio Cardoso e Sábato Magaldi, cujas palavras teriam feito a diferença para a atriz. As dela fizeram para mim, mesmo que eu nunca tenha me tornado um ator. No dia do elogio, eu já era o poeta que ainda sou e, anos depois, tornei-me um psicanalista. Fazer poesia e psicanálise é, em suas formas, produzir uma arte dramática. Ambas lidam com dramas e aprofundam personagens, do eu lírico da poesia ao eu emocional, da análise. Psicanálise e poesia são artes dramáticas como a vida que tentam representar. De uma a outra, desde as palavras de Aracy, represento com mais confiança.
Celso Gutfreind
Às vezes, pode vir um verso e, como uma fagulha, acende algo em nós. Ou, em vez dele, uma imagem sem palavras, uma canção, um único acorde dela. E