Horizonte turvo, estreitado de modo bárbaro – e bota bárbaro nisso – pela conjuntura brasileira, eu faço, sem pensar, como todo mundo: procuro lugares onde depositar minha esperança.
Troquei um whatsapp esses dias com uma irmã, contando de um problema, e ela disse que resistia nela uma vaga crença no anjo da guarda, que as crianças católicas saudavam numa oração ritmada. Eu respondi que agradecia a lembrança e por um momento revivi aquela prece, sem fé alguma mas com certo conforto.
Então onde, em quem depositar meus tostões de desejo de coisa melhor?
Um lugar inesperado para mim tem sido alguns podcasts, em especial um, que não me vexo de reconhecer que estou ouvindo inteiro pela terceira vez – são uns 30 episódios, e o assunto é meio inesperado: um recorrido dos últimos mil anos, desde um sábio humanista chamado Al Farabi (de onde veio “alfarrábio” em nossa língua) até a criação da ONU, passando por Dante Alighieri, Maimônides, Thomas Morus, Damião de Góis, Spinoza, Alfred Dreyfuss e outros heróis do pensamento e da ação.
O foco do podcast recai justamente sobre figuras que desejavam e promoviam a convivência, a tolerância, em meio a polarizações intensas. O podcast se chama “Agora, agora e mais agora” e seu autor é Rui Tavares, historiador, ex-eurodeputado. Vai por mim: é sensacional, em toda a linha, desde o sotaque portuga tão bonito até a erudição conduzida com zero pernosticismo e total simpatia.
O outro lugar não podia ser mais óbvio: os livros. Tenho lido, relido, recomendado, compartilhado, talvez como nunca antes. Tanta coisa maravilhosa, tanta história, tanta imaginação, tanta superação, tanto confronto com limites pesados, tanta tragédia, tanta comédia. Mas queria aqui mencionar dois, que representam uma renovação da minha velha fé no livro como lugar privilegiado das grandes virtudes humanas.
Um deles é Um livro, muitas histórias, edição da Quatorze VinteUm, que reúne depoimentos de alunos atuais da Fundação O Pão dos Pobres, essa entidade tão meritória que faz o bem há 126 anos.
Histórias singelas, de alunos que contam o que eram e o que conseguem ser ou ao menos sonhar em ser por causa da escola profissionalizante que se mantém viva naquele lindo prédio, que ficava na margem do Guaíba, antes do aterro.
O outro se chama O tempo é prioritário, mas traz na capa outro ainda, “Poeta do asfalto”, preparado pela Filos editora, de Canoas.
O autor é Jonatã Nunes e ele aparece sorrindo numa foto já na capa – com seu uniforme de, eu ia dizer lixeiro, mas a segunda aba do livro diz que ele, aos 32 anos, é “poeta e coletor de resíduos recicláveis” em Canoas.
Sua poesia é direta ao ponto, tratando de dores de amor, de anseios de vida melhor, de dúvidas existenciais fortes, inclusive sobre o poder que as palavras têm (ou não têm) para dizer o que vai na alma.
Poderia terminar este texto como nos antigos documentos cartoriais: o declarado é verdade e assino embaixo como testemunho da minha fé.